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O caminho para o hospital é rápido, com Gustavo usando uma mão para controlar o volante e a outra para apertar a toalha em volta dos meus dedos.

— Como assim você não sabe o que aconteceu? Por acaso é sonâmbula que gosta de brincar com lâminas? — ele ainda está tentando tirar a verdade de mim. Mas o que eu posso dizer? Que eu sonhei que estava em outra era, cortando batatas?

Nem eu mesma acreditaria numa porcaria dessas.

— Gustavo, eu já disse que não sei... eu... acordei junto com você, a mão daquele jeito. Você não deixou alguma coisa na cama para me cortar? Quem sabe tá querendo sua cama de volta... — eu não vejo alternativa a não ser fazer piada. A verdade está completamente fora de cogitação.

Pelo menos eu acordei com o corte, e não com o dedo costurado por uma linha de costura. Isso não parece ser muito higiênico. Coitada da criada.

Entramos no hospital quando o dia está começando a amanhecer, e eu me sinto quase como em casa. Conheço todos os rostos cansados que perambulam por mim, alguns murmurando algumas palavras de preocupação – a coitadinha que acabou de sofrer um acidente, agora volta com as mãos ensanguentadas.

A sutura é rápida e um enfermeiro simpático me deixa dar uma passadinha no quarto do meu pai. Ele diz que eu tenho que ser rápida, e como hoje já é sexta, estou com o coração apertado de ficar dias sem vê-lo. Gustavo me disse que não era meu herói, e ele tem razão, porque a pessoa que sempre foi essa figura para mim está agora deitada numa cama de hospital, o braço completamente destruído, porque um bêbado passou o farol vermelho.

O quarto dele está com as luzes apagada, mas consigo ver pela ínfima luz que entra da pequena janela o corpo do meu pai deitado sobre os travesseiros desconfortáveis. Ele está usando apenas uma manta fina, e o frio de dentro do quarto é quase palpável. Mas ele sempre foi assim, se minha mãe não cuidasse para que ele tivesse o que precisasse – fosse um agasalho no frio, um café pronto para ser tomado, os jornais que ele tanto lê – meu pai não se cuidaria sozinho.

Pego o outro cobertor que está no sofá, destinado ao acompanhante masculino que ele não tem, e coloco em cima do seu corpo, protegendo-o do frio, como ele sempre fez comigo.

Meu coração se aperta, mas sei que o certo e o mais seguro para mim é viajar com Gustavo. Só que isso não faz com que eu fique tranquila.

— Princesinha... o que tá fazendo aqui a essa hora? — a voz grogue de remédios dele chama minha atenção, e eu me sento na cadeira ao seu lado, pegando sua mão boa – as vezes eu evito até olhar para o outro braço cheio de pinos e aparelhos.

Ele ainda não perdeu o braço, os médicos estão fazendo o possível para tentar reconstruir o que puderem com os pinos, parafusos, ferros – até mencionaram algo sobre tirar um pedaço de pele da perna dele para fazer um enxerto. Eu pedi para André cuidar dessa parte para mim, incapaz de imaginar como esse sofrimento deve ser horrível para meu pai.

— O senhor deveria estar dormindo... — aperto sua mão com delicadeza, sentindo como ela está fraca. Meu pai, não importa sua idade, sempre foi muito forte, e vê-lo assim acaba comigo.

— Ah, a única coisa para se fazer nesse lugar é dormir... o que aconteceu com a sua mão? Pensei que tinha tirado os curativos na terça — ele tenta levantar sua cabeça para dar uma boa olhada, mas eu o faço deitar, colocando a mão em seu campo de visão.

— Um acidente bobo. Eu estava descascando uma batata e acabei fazendo um pequeno corte. Não se preocupe, não é nada — bem, até que é verdade.

Ele não parece muito satisfeito, mas me conhece bem o suficiente para saber que eu, utensílios de cozinha e alimentos não é a melhor combinação.

A Chance do TempoOnde histórias criam vida. Descubra agora