Gustavo está dirigindo que nem um louco, mas eu não consigo encontrar minha voz para dizer que eu acabei de sofrer um acidente de carro e que ele está me assustando. Na verdade, eu até prefiro ficar assustada – mas o mais longe possível de onde Fernando possa estar.
— Como que é possível? Você viu alguém? Como ele conseguiu colocar um vídeo na sua televisão? — André está no banco de trás, fazendo perguntas sem efetivamente esperar pelas respostas.
Eu sei que ele conectou um dispositivo no meu chrome cast. Mas também sei que ele precisaria estar muito perto para isso. Em todo o tempo que eu passei com ele no casebre, eu nunca notei a presença de uma câmera. Pela qualidade da imagem – e considerando que os smartphones não eram moda naquela época – deve ter sido uma boa câmera filmadora. Pelo o ângulo, ela deveria estar num tripé.
Não consigo acreditar que Gustavo e André viram as imagens. Ninguém viu meu estado – só as pessoas que me encontraram. Quando minha família chegou, eu já estava sedada no hospital.
— Tenho uma boa ideia... sua televisão é Smart, Melinda? — Gustavo continua dirigindo loucamente, mas sua mente está conosco, provavelmente tão perturbada quanto a de André. Apesar ter ouvido a história completa na noite anterior.
— Não... e-ela... é... — engasgo, tentando explicar, mas o medo e o nojo parecem me frear.
Gustavo aperta um pouco o volante, e eu tenho vontade de pegar em sua mão, pedir para ele se acalmar. Mas merda, nem mesmo eu estou calma.
— O chrome cast que o Rodrigo deu para seus pais... — André acompanhou o raciocínio de Gustavo e conclui o que eu não consegui dizer em voz alta.
Escondo meu rosto nas mãos, tentando apagar as imagens que parecem cravadas a ferro na minha mente. Eu nunca esqueci o que eu passei, mas ver tudo por outro ângulo é cruel demais.
Ainda bem que não foi a gravação de outros momentos.
Só de pensar na possibilidade de que ele tenha gravado os estupros, já sinto vontade de colocar todo o meu café para fora.
— Para o ca-carro... PARA O CARRO! — eu grito quando sinto a queimação do vômito subindo pela garganta.
Gustavo mal tem tempo de pensar, quando encosta perto de um ponto de ônibus. Eu me atrapalho um pouco com o cinto, então só abro a porta e vomito toda minha angustia. Consigo escutar ao longe as pessoas esperando pelo ônibus gritarem, mas não presto atenção nenhuma. Só continuo vomitando enquanto sinto a mão de Gustavo nas minhas costas.
— Gustavo, puxe ela para dentro — a voz de André chama a minha atenção, e quando sei que mais nada vai sair do meu estômago, eu mesma volto meu corpo para dentro do carro. Ele se inclina sobre mim e puxa a porta, passando a mão em meu rosto e perguntando baixinho se estou bem.
Não consigo responder. Não quero abrir a boca novamente e acabar vomitando mais uma vez.
— Vamos embora. Não estamos longe o suficiente da casa. Tem um carro estranho parado do outro lado da rua. Ele encostou junto com a gente.
Fico tensa novamente, procurando em todos os lugares por algo suspeito, e vejo um carro estacionado perto de nós. O vidro é tão preto que eu não consigo enxergar o motorista, mas o frio que escorre pelo meu estômago deixa claro que é ele.
Ele está nos seguindo.
Gustavo arranca com o carro novamente, passando alguns faróis vermelhos. Ele não diz nada, mas consigo ver que não para de checar o espelho.
— Ele é louco se pensa que pode vir atrás de você com nós dois juntos. Temos que ir até a polícia — André também não para de se virar e procurar pelo carro.
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A Chance do Tempo
ChickLit"Melinda não é feliz. Apesar de ter uma família amorosa, trabalhar com algo que parece fazer a diferença para alguém - mesmo que não para ela - e ter ótimas amigas, falta algo. Mas ela deixa de pensar nisso quando o seu mundo vira de ponta cabeça ap...