Acho que já estamos há meia hora sentados, um do lado do outro sem dizer uma palavra. Ele está ocupado com seu trabalho e eu em não atrapalhar – imagino que trabalhar num hospital não é o que uma pessoal normal quer para uma segunda-feira.
Eu olho para a televisão, mas nenhuma das imagens que ela mostra parece me interessar. Eu só consigo pensar nas imagens do meu sonho, nas sensações que eu tive nele. Quando o patrão chegou perto da criada, ela se sentiu da mesma maneira que eu me senti quando tive minha primeira conversa decente com Gustavo – no banheiro do bar. E isso me assusta.
Agora eu não tenho mais dúvidas de que ele realmente é o patrão do sonho. Talvez eu tenha apenas criado essas imagens na minha cabeça, afinal eu só penso nele. O tempo todo.
Viro meu rosto para seu semblante concentrado. Será possível que ele tenha tido alguma experiência parecida?
─ Você já teve algum sonho estranho? ─ pergunto antes que possa me controlar. Talvez seja besteira perguntar para ele esse tipo de coisa.
─ Sonho...? Como assim? ─ Gustavo se vira para mim com os olhos confusos, e sinto o desânimo tirar minhas forças na hora.
Eu sofri um acidente, e meus pais estão internados, porque eu tive um sonho e uma mulher me contou uma história de amor antiga. Eu não deveria estar sentada do lado dele, imaginando se ele pensa ou não em mim. A culpa faz com que eu me afunde mais na cadeira.
─ Deixa isso pra lá... ─ quebro nosso contato visual e miro a porta de vidro, tentando pensar em alguma outra coisa para falar, sentindo o suor frio da vergonha escorrendo pelas minhas costas. Sinto vontade de chorar, e nem sei exatamente porque, dessa vez.
Não sei se eu quero que ele também esteja envolvido nesta história como eu, mas posso jurar que senti uma tensão percorrendo seu corpo quando mencionei a possibilidade de um sonho.
Será que ele também sonhou com alguma coisa, mas não quer me contar?
Meus dedos tremem um pouco e para aliviar a minha própria tensão, tento analisar o comportamento de Gustavo. Mas quem eu estou enganando? Eu não sou capacitada para analisar ninguém, muito menos estando numa situação de stress emocional.
Resolvo que o melhor é deixar o assunto todo de lado e deixa-lo trabalhar em paz. Pego meu celular e rolo pelas muitas mensagens dos meus amigos, familiares e de alguns estranhos que ajudaram minha família depois do acidente, mas apenas uma conversa me chama atenção.
Larissa: Oi more... como você está? Me chama quando puder... amo você.
Sorrio com tristeza e abro a caixa de texto para responder minha melhor amiga. Ela já veio ao hospital no dia anterior, mas eu preciso do conforto dela, uma pessoa amada e conhecida.
Melinda: Oi Lari... estou bem, e você? Acho que já me acostumei com as queimaduras... de resto tudo o mesmo. Meus irmãos já foram embora.
Na mesma hora o celular vibra com uma resposta. Esse é um dos motivos pelo qual eu a amo. Sempre posso contar com ela, não importa o horário ou a circunstância.
Larissa: More! Que pena que eles tiveram que ir... não gosto da ideia de você ficar sozinha em casa. Queria poder ficar com você, mas sabe que não posso deixar a minha mãe sozinha...
Melinda: Relaxa Lari... eu me viro. Mas tenho uma coisa para te contar.
Larissa: O QUE FOI??
Eu rio e olho de esguelha para Gustavo. Não quero que ele veja o que eu estou escrevendo, mas ele está tão concentrado que acho ser seguro começar a fofocar um pouco com Lari.
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A Chance do Tempo
ChickLit"Melinda não é feliz. Apesar de ter uma família amorosa, trabalhar com algo que parece fazer a diferença para alguém - mesmo que não para ela - e ter ótimas amigas, falta algo. Mas ela deixa de pensar nisso quando o seu mundo vira de ponta cabeça ap...