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Gustav está começando a sentir uma câimbra em seu braço esquerdo – é difícil ficar com sua arma apontada por tanto tempo – mas não se move, como aprendeu que deveria fazer quando um alto oficial da SS está sentenciando alguém.

Eles usam esses momentos para se promoverem entre os soldados mais baixos, então seus discursos de sentença são muito mais longos do que deveriam – falando sobre a primazia ariana, como são muito superiores aos judeus e aos ciganos, que agora estão alinhados em sua frente, aguardando pela morte.

O soldado tenta não prestar atenção nos rostos assustados que olham para ele, pedidos mudos de misericórdia em seus rostos, a posição de derrota de seus corpos, fazendo-os se curvarem para baixo.

A ordem é dada, e o barulho ensurdecer das pistolas da Gestapo soam, fazendo Gustav estremecer. A sua arma também foi disparada, mas ele não mirou em ninguém – pelo menos, é o que vai dizer a si mesmo, e a ela, caso pergunte.

Os corpos são deixados no meio da praça, como um aviso aos outros expectadores de que a Gestapo não tolera impuros, principalmente ladrões, assassinos, estupradores.

Nenhum desses crimes foram provados, mas não havia necessidade de prova, se os acusados fossem de uma raça indigna.

Albert se aproxima de Gustav, um sorriso de escárnio preso no rosto. Ao longo das últimas semanas, Gustav não conseguiu acompanhar o soldado mais novo o tempo inteiro – seus dias sendo cheios de investigações fúteis em um país instável, e suas noites quase sempre preenchidas de histórias ciganas.

Pelo menos a cada dois dias, Gustav abastece sua bolsa de couro, e vai até o Castelo para encontrar Melina. Apenas ela, pois sua confiança no soldado ainda não é completa – talvez nunca seja. Eles conversam todas as noites que ele consegue se afastar do batalhão, ao pé da mesma árvore em que ela o prendeu na primeira vez.

Ela vai até seu encontro por conta da comida, que agora também a alimenta – parcamente, mas alimenta. Entretanto, não sabe por que ele mesmo volta. Depois do primeiro encontro na árvore, sob a ameaça da faca, ela o fez ir embora, para nunca mais voltar. O soldado voltou no dia seguinte, com mais comida, imaginando que talvez ela levantasse seu acampamento e fosse embora, mas lá estava Tarim, mijando na mesma árvore do dia anterior.

Desde então, os encontros não possuem mais ameaças veladas, apenas um silêncio perturbador de início, até que as histórias de seu povo saíram inconscientemente da boca dela. O soldado já ouviu histórias parecidas, dos ciganos que perambulam e param os soldados para tentar arrancar-lhes qualquer simpatia que fosse.

Mas como era Melina lhe contando, ele se demonstrou muito interessado. Seu clã sempre esteve na estrada, nunca ficando no mesmo lugar por muito tempo. Desde que se lembra, ela carregava potes de água dos rios, cuidava dos poucos animais que tinham de tempos em tempos, e quando vieram Tarim e Sara – os gêmeos que custaram a vida de sua mãe – ela se tornou sua nova mãe. Seu pai e o restante de seu clã foram capturados por soldados, na fronteira da Boemia, e ela trouxe seus irmãos até Ostrava, perseguindo uma segurança ilusória.

Ela nunca estaria segura enquanto Hitler e seu império nazista gritassem a todos os cantos quão indigno o povo dela é, de viverem no mesmo mundo que arianos. Eles não estariam seguros em qualquer lugar do mundo, visto todo o descaso da população mundial com a sua raça.

Gustav não queria salvá-los, sabia que suas origens e posição nunca o permitiriam. Mas ele não consegue deixar de ir vê-la.

— Você de novo, gadje? — ele encontra Melina no mesmo lugar de sempre. Pode ter feito a pergunta, mas parece que estava esperando-o. Ele consegue ver a figura de Tarim esperando para pegar os novos suprimentos e leva-la até sua irmã gêmea, como fazia todas as vezes.

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