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Meu estômago está se revirando enquanto mastigo o pedaço de bolo de chocolate na minha boca. Os olhos loucos dele presos nos meus não ajuda. Não posso deixar que ele perceba meu desconforto. Não sei exatamente o que espero da minha atuação, mas ele não pode pensar que está na mesma situação de seis anos atrás.

Porque não estamos. Não vai ser fácil dessa vez, seu maldito.

— Está gostoso, não? — ele me pergunta, enquanto enfia um pedaço na própria boca, rindo ensandecido.

Faço que sim com a cabeça, me obrigando a engolir a massa nojenta na minha boca. Alguns pedaços ficam grudados nos meus dentes, e eu forço meus pensamentos em outra coisa, apenas para não vomitar agora. Esse não é o momento para vômitos.

Apesar de que seria gratificante vê-lo coberto de vômito gosmento. Mas definitivamente não é a hora.

— Quer mais um pedaço? — ele vem novamente com a mão cheia de bolo, e eu mordo mais um pedaço – ainda não estou forte o suficiente para fugir dele. Mastigo rapidamente e engulo de uma vez, tentando não registrar o sabor do cacau.

Ele termina de comer, limpando os dedos com a boca e na blusa, colocando a sacola para o lado. Meu coração dispara, agora que a refeição já acabou, esperando tensa por suas próximas ações. O que ele poderia tentar agora? Me estuprar? Ou talvez me bater.

Mas meu "bom comportamento" parece o ter deixado um pouco desnorteado, porque agora ele me olha confuso, como se não soubesse o que dizer.

— Meu amor... fico muito feliz que você esteja aqui, sabia? Eu sempre quis te mostrar esse lugar... mas nunca tive coragem. Minha avó nunca vendeu a casa depois que meus pais morreram, e quando pude, voltei para cá. Mas as lembranças que essas paredes carregam eram fortes demais para que eu ficasse... então me mudei para aquele apartamento que você conhece. Ainda assim, nunca consegui me desfazer dela.

Ele olha para os lados, o rosto perdido em lembranças que não me importam, me permitindo observá-lo novamente com atenção. Seus bolsos estão cheios, com o que eu imagino ser uma carteira, e um celular. Sua camisa surrada é larga, mas acredito que não existe nenhuma arma por baixo dela.

Eu preciso de ajuda para bater nele. Não posso ir no corpo a corpo. Ele ainda é mais forte que eu. Por que eu não peguei o meu spray na bolsa? Por que não escondi alguma coisa para bater nele?

Preciso convencê-lo a me levar para a sala porque quer. E sem deixa-lo ver que estou com as mãos livres.

— Onde estamos, exatamente? Você nunca mencionou que tinha uma casa antes — tento ganhar tempo, traçar um plano enquanto o faço falar, confiando que sou completamente sua cativa. Mesmo não sendo.

— Na Lapa. Minha mãe herdou dos seus pais. Meu pai nunca gostou muito daqui... mas como ele não teve que pagar nada, aceitou. Ainda me lembro dele reclamando do barulho dos trens... Sabe o que ele gostava de fazer? Cada vez que enfiava seu pênis em mim, tentava ritmar com o barulho dos trilhos, para que minha mãe não escutasse o meu choro.

Observo-o relembrando da cena, enojada. Não quero sentir dó dele, não quero que ele consiga me atingir com sua própria tragédia. Ele é o responsável pelos meus piores pesadelos. Não tem o direito de fazer isso comigo.

Mas não consigo deixar de imaginar um pai abusando de seu próprio filho, dentro do santuário que deveria ser o seu lar.

— Por que nunca procurou por ajuda? — me vejo perguntando, incapaz de me controlar.

Ajuda? De pessoas como você? Que possuem um diploma e acham que tem o direito divino de julgar os outros por seus problemas? Não sou idiota, Melinda. Eu sei o que vocês fariam comigo. Me internariam, veriam quem eu sou de verdade. Não... não preciso da sua ajuda, nem a de ninguém.

A Chance do TempoOnde histórias criam vida. Descubra agora