Leal

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(Chicago, 20/10/2023)

Acordei com um pesadelo, tudo pegando fogo, o mais recorrente sonho que eu tinha. Meu humor não estava muito bom e a única coisa que eu queria era me afastar daquilo tudo e ficar quieto então fui direto para o laboratório. Ao abrir a porta vi Erika rodeada de livros e me espantei, o que aquela garota queria?
- Viu um fantasma tio Cypress?- Ela perguntou sorrindo.
- Era...o que você está fazendo aqui?
- Sei que o senhor é um homem inteligente titio, tem tantos livros sobre ciência aqui, no ensino médio eu odiava biologia sabia? Mas sei lá agora pareceu ficar tão interessante.- Eu apenas olhava para sua expressão de cinismo arqueando as sobrancelhas.- Está com medo de mim tio Cypress?- Ela riu, eu respirei fundo.
- Por quê eu teria?
- Você parece estar, mas não precisa ter medo de mim.- Ela se levantou e veio até mim.- Admito que eu quero pendurar o crânio de muita gente aqui na parede do meu quarto mas você não é uma delas, gosto muito de você e admiro tudo o que tentou fazer por mim, a única coisa que eu exijo de você é a sua lealdade. Posso contar com você sempre não é?
- Não duvide disso.
Ela deu um sorriso largo.
- Isso sim é um humano de verdade! fiel e decidido, os outros são bestas acéfalas e desprezíveis mas você tio Cypress, é um homem inteligente, espero que continue assim.- Ela ia saindo do laboratório mas eu ainda queria ter certeza de uma coisa.
- Era?
- Sim meu querido amigo?- Ela se virou.
- Eu considero muito você, sei que é uma boa pessoa.
Ela parou de sorrir e se virou rapidamente.
- É, eu também considero muito você.- E então ela saiu. Pela conversa dela pude deduzir que ela tinha alguma coisa em mente e que provavelmente me usaria para conseguir, eu precisava tentar descobrir os planos dela e tentar impedí-la, mas não queria perder a confiança dela até porque isso seria extremamente perigoso.
Olhei todos os livros que ela havia lido e todos tinham um tema em comum, agilidade e força, o que exatamente ela estava planejando fazer com o que havia lido? Pelos meus estudos com Julie pude perceber que o cérebro de um maníaco é mais brilhante do que eu havia imaginado e o de Erika parecia estar seguindo essa linha mesmo depois do impacto forte na cabeça dela.
Uma dúvida tremenda surgiu na minha cabeça: Contar ou não a Lewis sobre minha suposição, precisava que pelo menos alguém ficasse alerta quanto a Erika, mas ele podia me apunhalar a qualquer momento e aí eu perderia a confiança dela, o que poderia custar muito caro e isso martelava minha mente. Como se pode fazer o que é certo quando você não sabe o que é certo?
Precisava espairecer, tomar um ar, pensar no que fazer e então decidir se eu falaria ou não com aquele verme, saí do laboratório em meio à todos os maníacos e saí do prédio, fiquei sentado na calçada olhando aquele cenário horrível de devastação, sentia um aperto enorme no meu peito, ainda queria acreditar na inocência de Erika mas com "Era" estava cada vez mais difícil.
Os minutos se passavam e eu não conseguia me decidir, eu tentava encontrar alguma outra solução lógica e mesmo sabendo que eu não podia ignorar aquela intuição eu queria deixar de lado, mas tudo o que eu fazia não era para machucá-la ou magoá-la de forma alguma, tudo o que eu queria era minha amiga de volta.
Ouvi um barulho de vidro se quebrando ao longe e primeiro pensei ser impressão minha mas ao olhar para cima vi algo caindo, cerrei os olhos para tentar enxergar e logo ouvi o grito ficando mais alto, era um homem. eu tentei ver de qual andar ele pulou (ou foi jogado) e provavelmente ficava acima do centésimo, era loucura, tentei chamar alguém por impulso mas no fundo eu sabia que não havia nada que eu pudesse fazer para impedir a tragédia, ele caiu na frente no prédio com todos olhando, pudemos ouvir os ossos se quebrando e uma piscina de sangue expandiu-se ao redor dele, era chocante.
Cheguei mais perto para tentar ver o rosto e me surpreendi, era Utah, o homem que assassinou minha esposa e minha filha na minha frente, eu admito que quis ficar feliz com aquilo, eu não sentia nada, era só uma grande indiferença à morte dele mas uma dúvida cruel estava me preocupando. Ele se suicidou mesmo? Se não, quem o matou? Torcia para que aquela morte não tivesse nada a ver com Era.
Lewis chegou rapidamente para ver o que aconteceu e quando se deparou com o corpo sua expressão foi de extremo espanto, como se ele ainda tivesse algum sentimento.
- É...o Utah?- Ele perguntou com dificuldade, apenas assenti, não podia fazer nada que não fosse só isso. Ficou parado olhando para o corpo sangrando cada vez mais como se estivesse em estado de choque.
Ninguém se atrevia a dizer uma palavra, ou mesmo sussurá-la, como se tivessem algum tipo de respeito pelo luto do seu líder e isso de alguma forma naquele momento me pareceu fascinante, não imaginava que seres tão primitivos como maníacos pudessem de alguma forma ter respeito algum por qualquer um.
- O que aconteceu?- Erika apareceu algum tempo depois, ela olhou para o cadáver e levou a mão à boca e seus olhos verdes se encheram de lágrimas.- Ele era meu amigo...- Quase senti pena, mas eu sabia que ela não gostava dele de verdade, naquele momento as peças do quebra-cabeça que eu mais temia se encaixaram. Por quê ela fingiria? Em uma tentativa de encobrir o crime, mas de maneira que ficasse explícito que ela havia cometido o assassinato.
- Desde quando foi amiga dele?- Lewis perguntou claramente enraivecido.
- Desde quando você sabe alguma coisa sobre a minha vida?- Ela provocou, aumentando o tom e fingindo chorar mais ainda.
- Sua vadia! Isso é coisa sua!- Ele ia partir para cima dela mas com um salto entrei na frente dela e o empurrei para longe, ela passou para trás, se segurou em meu braço e como uma criança ficou observando por cima de meu ombro.
- Não vai encostar na sua irmã, você está de luto e ela também, não piore as coisas entre vocês dois.- Eu disse na tentativa de provar minha lealdade ao máximo para que de alguma forma ela confiasse em mim até de olhos vendados, Lewis cambaleou, ele estava pronto para pular em mim mas senti que todo o seu movimento era uma tentativa de se controlar um surto, os outros maníacos fecharam um cerco em volta dele e fui com Erika rapidamente para dentro do elevador, quando as portas se fecharam, forçou o choro para que ele aumentasse e só por saber que ela estava tentando me manipular eu me sentia desconfortável, queria fazê-la voltar ao seu estado normal.
- Obrigada tio Cypress, consegue ser um amigo tão bom mesmo quando tudo está horrível.
- Estou aqui sempre que precisar e pode confiar em mim para o que quiser.- Eu disse, ela me deu um forte abraço.
- Você é o meu melhor amigo.- Ela disse, aquilo não deveria ter me comovido mas ouvir aquilo dela me fez sentir estranho, como se eu tivesse a necessidade de protegê-la, como se realmente fôssemos da mesma família, como eu poderia confiar nela? Eu queria e precisava saber a verdade.
- Era...- Sussurrei em voz baixa.
- Sim tio Emmett?
Minhas mãos tremiam enquanto eu abraçava ela, eu tinha medo de perguntar aquilo e jogar por água abaixo tudo o que eu tinha planejado, estava em um raro momento em que deixei de lado um planejamento meticuloso por conta das minhas emoções.
- Você matou o Utah?
Ela deu uma gargalhada e grudou a sua cabeça ao meu ouvido.
- Sabia que descobriria. Não vai me julgar vai? Afinal ele matou sua esposa e sua filhinha juntas no mesmo dia...é, eu sei o que aquele desgraçado fez...ele não merecia viver.- Ela sussurrou, eu senti meu coração pulsar a mil, eu sentia um nervosismo ardente tomar conta de mim, mas meu medo era maior ainda.
- Obrigado.- Eu disse sorrindo, ela sorriu com a minha reação.
- É o que os amigos fazem.- A porta se abriu e ela saiu pelo corredor indo para seu quarto, só o que eu pensei naquele momento foi: "Que merda"...

Morbo: O começo_ Livro 4 Onde histórias criam vida. Descubra agora