Um Último Pedido

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(Chicago; Data: 09/ 08/ 2025)

Eu queria ter coragem de dizer a Erika tudo o que já sabia. Já pensou alguma vez na vida: "Nossa, como deve ser bom saber a data da minha própria morte; pode parecer bom, mas não é. Primeiro você se sente ansioso, não de um jeito bom, você se pergunta se vai doer, como vai ser, se você vai apenas para debaixo da terra, é uma agonia sem fim que você sabe que vai acabar em breve.
Para os corajosos, aqueles que não tem medo nem da morte, deve ser muito fácil passar por algo assim. Mas eu não sou corajosa, nem de longe.
Tinha um dever a ser cumprido, e por mais dolorido que meu peito estivesse sabia que seria muito pior se não cumprisse. Bati na porta duas vezes e esperei que fosse aberta.
- Quincy?
Utah perguntou como se estivesse surpreso, eu entrei sem dizer nada, apenas fiz um gesto para que fechasse a porta.
- O que faz aqui? Não é permitido que você, Bryce ou Erika subam aqui e sabe disso.
- Vai mesmo reclamar? É importante, não ligo se estiver escondendo um cadáver por aqui.- Respondi, ele suspirou e puxou uma cadeira para que eu me sentasse.
- Quanto cavalheirismo.- Ironizei.
- O que pode ser tão importante para fazer você vir aqui? Nós dois sabemos que me vê como um monstro.
Tomei fôlego, mal tinha coragem de falar e parecia que ia começar a tremer ou suar frio, mas me controlei.
- É, o que tenho para te falar não muda tudo o que você já fez, mas isso não vem ao caso. O que interessa de verdade é que algo muito ruim vai acontecer.
- Do que está falando?
- Eu menti para todo mundo, não sou humana, eu sou maníaca.- Ele ficou me encarando como se estivesse assustado, mesmo que não tivesse motivo algum para estar.
- Impossível, por que seus olhos não são verdes?
- Não seja ignorante, deveria saber que alguns de nós não desenvolvem a cor nos olhos.
- Que se dane, por que acha que isso me interessa?
- Me deixa continuar?
Ele ficou quieto, mas depois de um tempo assentiu.
- Eu não sei o que aconteceu comigo, mas eu desenvolvi um tipo de habilidade um pouco fora do comum...não sei como mas eu sinto quando coisas ruins podem acontecer, já pensei em falar com Emmett mas resolvi manter em segredo. A questão é que...eu sinto que logo algo muito ruim vai acontecer, não comigo, com todos nós.
- Como assim Quincy?
- Erika será a mais atingida, só quero pedir a você que faça o que for preciso para que ela se lembre de quem realmente é.
- Falando assim até parece que você vai embora.- Ele ainda tentava acreditar no que eu estava dizendo, então ele parou, pensou e finalmente voltou a olhar para mim.
- É, eu vou embora Utah.- Afirmei, ele balançou a cabeça negativamente.
- Você vai morrer?- Ele perguntou, apenas baixei o olhar para que entendesse.- Não vou deixar isso acontecer, de jeito nenhum, eu vou cuidar de você Quinn.
- Nada que faça vai impedir, não dá para fugir disso.
- Quinn, me escuta...
- Você não entendeu? Eu confio em você para fazer o que eu pedi, só isso.
- Acho que foi você quem não entendeu, eu estava sempre lá, fiz de tudo, por mais que você tivesse nojo do que eu fazia eu estava lá com você, nunca percebeu?
- Percebi desde o inicio, mas queria afastar você, não queria me magoar. Mas agora não tem mais motivo para em afastar, tem?- Me levantei da cadeira e o abraçei com força.
- Não faz isso.
- Eu te amo Utah, desculpe por nunca ter dito ou demonstrado.
- Por que tem que ser tão fria? Odeio você.- Deixei que ele me soltasse, ele virou o rosto e olhou para janela enorme do escritório, meus olhos marejaram, tinha sido tão estúpida por não ter dito isso antes.- Quero que saia, agora.- Ele disse, sabia que só estava sendo orgulhoso.
- Quer mesmo que eu saia?- Ele ficou calado e não se virou, então me conti e fui até a porta.
- Quincy.- Parei e me virei, ele finalmente olhou para mim, algumas lágrimas ameaçavam cair.- Preciso que me diga que isso não é uma brincadeira olhando nos meus olhos.- Ele se aproximou de mim, ver que ele realmente se importava me magoou, porque eu podia ter tido uma história feliz, podia ter mudado ele, podíamos ter ficado juntos mesmo que ele seja quem é.
- Por que acha que eu mentiria sobre isso?
Foi suficiente para que ele baixasse o olhar, me senti a pior das pessoas, mas então ele enxugou as lágrimas.
- Quer saber? Nada mais importa, eu amo você Quincy, e nós podemos recuperar o tempo que perdemos, me diz o que você quer. Um sonho, uma vontade, qualquer coisa, eu posso fazer por você hoje mesmo.
- Amanhã de manhã podemos ir ver o lago, eu gosto de lá. Hoje não.
- Por que não?
- Hoje eu só quero ficar aqui com você.
Ele sorriu, então o beijei, algo que já tive vontade de fazer há muito tempo, ele largou tudo o que tinha para fazer e ficou comigo, dividimos nossos medos fúteis, nossos sonhos, e de uma hora para outra pareceu que eu sempre o conheci.
Só não contei uma coisa:
Quando eu era criança, sonhava com a perfeição, queria amigos perfeitos, daqueles que nunca se esqueceriam de mim e mesmo quando eu partisse, sorrissem ao lembrar de mim. Queria ter um marido e uma família perfeitos, todos felizes, fieis e amáveis.
Ao crescer você descobre que as pessoas não são só "açúcar", que nem todos os seus amigos vão se lembrar de você quando você partir, alguns só vão chegar e sumir da sua vida. Não existe um amor perfeito nem uma família perfeita, todos tem defeitos, a questão é aceitar que as coisas são do jeito que são e por isso se tornam únicas; crianças como eu era são ingênuas, mas sabem como melhorar o mundo.
Só Erika e Bryce conseguiram me fazer sentir perfeita, nunca me julgaram, sempre me apoairam, eles são os amigos que eu sempre quis quando era menina. agora eu sei que a perfeição está nos olhos de cada um de nós e como um ato mínimo ou momento pode transformar e dar sentido a tudo que você já viveu. Tudo depende das pessoas que escolhe deixar entrar na sua vida. Posso ir em paz sabendo que escolhi as certas.

Morbo: O começo_ Livro 4 Onde histórias criam vida. Descubra agora