1. Branco

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     A viagem de ônibus demorou mais de três horas. Liz Mawete não aguentava mais o sacolejar do transporte barato e velho e as duas garotas discutindo no banco de trás. Ela já sabia que eram gêmeas, que tinham um gato e que estavam tentado descobrir quem era a culpada por estarem sendo mandadas para longe.

     Haviam outras pessoas espalhadas pelos bancos, a maioria em silêncio ou falando consigo mesmo. Francamente, aquele lugar não era para ela. Liz tinha problemas de raiva e agressividade sim, às vezes passavam dos limites, mas ela não era louca!

     Tudo bem, ela concordara em ser internada, mas agora que estava encarando a realidade das pessoas com quem conviveria, não tinha mais certeza se era uma boa ideia.

     O ônibus brecou de repente, fazendo seu corpo se inclinar para frente e bater contra o banco novamente com força.

     Um frasco laranja de remédio rolou entre suas botas de combate. Prendeu o objeto entre seus pés e tentou ler o adesivo em branco.

     — Aguardem sentados, por favor. – ouviu o motorista dizer.

     Era o mesmo remédio que ela tomava para regular seu humor. O mesmo remédio que nunca funcionara. "Ronan Simmons" lia-se como nome do paciente, porém a data era de três anos atrás. Será que ninguém limpava aqueles ônibus?

     Pegou o frasco do chão e o pacote de balas no bolso de sua jaqueta. Caso precisasse de uma saída fácil. Liz não era suicida, não tinha nenhuma tendência autodestrutiva, mas quem sabe pudesse trocar com outro paciente por algum remédio melhor? Ou algum produto? Não devia ser muito diferente de uma prisão.

     Não era a primeira vez que fazia isso, trocar balas por remédios, sabia que sairia ilesa. Colocou as balas brancas no potinho laranja, tampou e deixou que rolasse pelo chão novamente.

     — Peguem todos os seus pertences, vocês não voltarão para esse ônibus. – a voz falou novamente, dessa vez também deu para escutar o barulho da porta se abrindo.

     Liz se levantou, colocando a mochila nas costas e respirou fundo antes de entrar na fila para descer. Sequer tinha coragem de olhar para o lado de fora, para o lugar onde passaria as próximas semanas de sua vida.

     Havia um garoto em sua frente, uma criança. Como alguém tão jovem podia ser tão ferrado psicologicamente para ser mandado para longe pelos pais, internado?

     Se bem que os problemas de temperamento não eram de hoje. Desde que era pequena, os pais de Liz recebiam reclamações de seus professores por suas súbitas mudanças de humor e brigas com colegas, inclusive mais velhos e maiores que ela. Sua força era surreal.

     — Olha o estado do cabelo dela. – uma das gêmeas sussurrou.

     — Será que ela não sabe que pode retocar esse azul desbotado? – a outra riu.

     Liz sentiu seu corpo esquentando. A sensação era tão familiar que a incomodava. Começou a contar de trás para frente, iniciando pelo 10, que ajudava a acalma-la de vez em quando. Já no oito, ela havia virado para trás e encarava as duas garotas.

      — Tem alguma coisa te incomodando, querida? – saiu de sua boca antes que pudesse se conter.

     Seu olhar provavelmente entregara o perigo de mexer com Liz, pois ambas negaram com a cabeça, aparentando estarem assustadas.

     O garoto em sua frente tremia um pouco. Ela realmente queria abraçá-lo, mesmo sem conhecê-lo. Se para ela, com dezenove anos, estava difícil, imagina para aquela criança.

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