29. Emergência

81 26 18
                                    

     "Você sabe por que estou fazendo isso." 

     "É sua culpa, Ronan."

     "Isso é o que acontece com garotos que não se comportam."

     Ele sabia que tinha de reprimir o desejo de gritar e deixar que seu pai fizesse o que devia ser feito, mas ainda era difícil se segurar. Ainda tinha a impressão de que se gritasse por sua mãe, ela viria o salvar em vez de ficar parada na porta o encarando com olhar de desaprovação.

     Garotos malvados eram punidos. Crianças desobedientes mereciam punição. E não havia um limite para a punição. As marcas roxas que ficavam em sua pele eram o resultado de suas ações ou da falta delas.

     Era tudo culpa dele.

     A fivela do cinto de seu pai arrastava pelo chão, o som agudo ecoando pelo quarto de castigo. Os passos nunca se aproximavam, apenas iam de um canto ao outro, enquanto Ronan permanecia em pé, de costas, seus braços dobrados para os lados, com as palmas para cima.

     Esse era um dos momentos em que ele não precisava ver uma oportunidade para querer morrer. Ele nunca precisava de aberturas para seu comportamento autodestrutivo quando estava com seus pais. 

     Seus pais faziam o trabalho da destruição, tanto física quanto psicológica, para ele.

     Sentiu o ar sendo puxado para trás quando o cinto foi erguido do chão, suas pálpebras automaticamente se fecharam, como se não ver fosse diminuir a dor, ouviu o som do couro estalando contra a superfície de sua mão, porém a ardência nunca chegou.

     Abriu os olhos devagar, temendo o pior.

     O cenário estava congelado, o cinto marrom escuro estava ali em sua mão, deixando a marca branca de pressão, mas não sentia nada.

     De repente, o quarto começou a girar, e logo Ronan não estava mais em casa.

     Ele não sabia direito onde estava, sentia apenas mãos ásperas dando leves tapinhas em suas bochechas e água gelada respigando em seu rosto.

     "Por favor, garoto!"

     A voz era totalmente desconhecida, deduzira apenas que era uma mulher, definitivamente não sua mãe.

     Ouviu uma tosse rouca e um suspiro de alívio, porém era tudo muito abafado, não conseguia nem mesmo distinguir a direção de onde os sons vieram.

     A lembrança do gosto do sabonete líquido queimando sua garganta o atingiu com tudo, fazendo-o abrir os olhos assustado.

     A garota com cabelo bem curto verde, estava com os olhos arregalados, fitando-o como se esperasse que ele dissesse ou fizesse alguma coisa. 

     "Seu cabelo é muito legal."

     Não tinha certeza se havia dito aquilo, a voz que escutara não se parecia nem um pouco com a dele.

     A garota deu um meio sorriso confuso, que foi se distorcendo aos poucos, como se ela estivesse embaixo d'água.

     Ou como se ele estivesse embaixo d'água.

     E então ele estava sozinho.

     Estava escuro, seus pulmões ardiam por causa da água invadindo-os de modo incessante. Ronan havia perdido controle. Mas estava tudo bem.

     "Ronan!"

     Ele reconheceria a voz o chamando em qualquer lugar, até porque Lukas estaria em todos os lugares para salvar Ronan de si mesmo. Sempre.

ÉdenOnde histórias criam vida. Descubra agora