4. Criança

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O sol poente fazia seus olhos azuis arderem um pouco, mas não que se importasse com isso. Checou a retaguarda para garantir que nenhum paciente ou funcionário o seguia, enquanto trilhava o caminho por entre as árvores até as grades que isolavam o Instituto – não eram tão úteis, na verdade, mas os loucos costumavam gostar dali, não tinham motivos para fugir.

Doug estava do outro lado, com seus óculos escuros que já faziam parte de seu corpo. O homem inclinou-se para frente, perto o suficiente para que Bo Skoog pudesse enxergar as cicatrizes de seus rosto.

O garoto já sabia que havia algo errado, não era sempre que Doug marcava encontros pessoalmente. Costumavam trocar cartas ou telefonemas codificados quando algo precisava ser discutido, mas não reuniões.

— Adivinhe só, Skoog – Doug sorriu, com seus dentes amarelados e seu bafo de álcool –: Não recebi meu pagamento desse mês. Será que tem algo errado?

— Bom, como vou saber? Estou preso aqui – Bo deu de ombros, uma sobrancelha arqueada. O homem bateu nas grades, em uma vã tentativa de assustar o garoto, que sequer piscara.

— Você sabe que a maior parte das minhas drogas são fornecidas pra você e pra esses retardados, então sem minha grana, teremos um problema muito grande – Doug falou, os dentes cerrados. Sua mão enorme esforçava-se para segurar a camisa do garoto por entre os espaços da grade – Fale com o merda do Robert e mande a porra do meu dinheiro, Skoog, ou eu mesmo arranco sua cabeça.

Bo riu de escárnio, balançando a cabeça. Se aquilo era tão importante para Doug, por que ele não ia até a empresa dos Skoog sacar seu dinheiro direto do cofre? Claro, o medo da polícia. Roubar os Skoog seria algo grande demais e o traficante nunca sairia ileso. E era isso que Bo achava tão ridículo.

— Duvido que tenha cora-

Antes que o garoto pudesse terminar, o homem atravessou o cano de sua arma em um dos espaços, pressionando-o contra o queixo de Bo, que o encarava inexpressivo.

— Arranje o meu dinheiro – ameaçou, soltando Skoog de forma brusca, fazendo-o cambalear um pouco para trás. E então, continuou, com um sorriso sujo e detestável: – Seu psicopata de merda.

O garoto observou enquanto o traficante se afastava, rindo e balançando a cabeça. Rebaixava Bo e não havia nada que mais odiasse do que ser rebaixado, do que ser visto como uma criança idiota pelo simples fato de ser jovem. Naquele momento, jurou que mataria Doug antes que ele sonhasse em tocar um dedo em Skoog.

...

Bo precisava fazer uma ligação, mas não tinha benefícios para isso, mesmo estando lá há dois anos. Poderia pedir para algum funcionário pago por Bobby, mas não sabia mais se poderia confiar nele para isso. Sua opção menos arriscada, portanto, seria pedir para alguém fazer a ligação, mas em quem confiaria?

Como um sinal, assim que virou o corredor avistou Tara, acompanhada de uma garota de cabelos azuis que nunca vira antes e não se importava muito. Existia uma grande probabilidade de Tara dizer não a ele, mas Skoog sabia como insistir.

Sempre fora bom em mentir e manipular, tão bom que passara grande parte de sua vida escolar fazendo aulas de teatro – o maior orgulho de sua mãe era a participação de Bo como figurante em um filme qualquer que o garoto nunca se importara –. Quando seus pais descobriram que esses talentos eram apenas sintomas de algo maior, inventaram que o garoto partira para o exterior para cursar uma faculdade grande de cinema, quando na verdade estava a alguns quilômetros da grande empresa dos Skoog, em um manicômio.

Aproximou-se, chamando a atenção de ambas, que pararam de conversar na hora. Tara revirou os olhos, em sua expressão rude sempre constante.

— O que foi? – perguntou. Bo esbanjou um sorriso, não esperava que convencesse a garota, mas ao menos poderia impressionar a novata de cabelos azuis, que apenas mantinha as sobrancelhas arqueadas.

— Preciso conversar com você um pouquinho – ele falou, lançando uma piscadela para a novata e puxando a indiana para uma distância segura.

— Que merda você está fazendo agora? – a garota indagou, cruzando os braços e revezando o olhar entre Bo e a novata, que esperava no mesmo canto de antes – Ela não vai transar com você.

— Mas ela pode me dar benefícios em algum momento – Skoog curvou um pouco seu corpo, a fim de aproximar-se mais da garota – Assim como você vai fazer agora.

— Eu vou é? – a indiana arqueou uma sobrancelha.

Bo fez que sim com a cabeça, seu falso sorriso gentil se desmanchando e dando espaço a uma expressão séria, que fez com que Tara desse um pequeno passo para trás.

— Preciso que faça uma ligação para mim ou vou ficar sem drogas – falou, baixo – E eu sei que isso vai ser ruim para você.

— Eu não vou me envolver nas suas merdas, sinto muito.

O rapaz segurou o pulso da garota assim que ela girou seu corpo para partir, com força propositalmente exagerada. Tara encarou-o com seus olhos cor de carvão e Bo pôde ver um traço de medo em seu rosto. Sorriu com satisfação enquanto alisava levemente a bochecha da garota com a mão livre.

— Você tem certeza? Vou ter que pedir para alguém mais burro? – ele sussurrou. Tara bateu na mão que tocava seu rosto, puxando seu braço. Ela não precisou dizer nada para que Skoog soubesse que poderia lhe seguir.

A indiana fez um sinal para que a novata partisse sem ela e assim o fez. Bo andava lado a lado com Tara, que parou a poucos metros do telefone do Instituto e virou-se para o rapaz, balançando a perna em aparente irritação.

— Para quem preciso ligar? – questionou.

— Bobby, funcionário de meu pai. Apenas diga para pagar o D logo ou que venha aqui para me explicar o que houve – a garota assentiu com a informação.

Skoog aguardou no mesmo ponto após passar-lhe o número de Bobby, observando Tara enquanto ela fazia sua ligação. Quando a garota terminou, aproximou-se novamente, esperando as respostas.

— Ele disse que vai agendar uma visita logo – ela disse – Posso ir para meu quarto agora?

O garoto sorriu maliciosamente, segurando o rosto de Tara com as duas mãos. Ela não o atraía exatamente, mas Bo gostava de saber que alguém com uma personalidade tão forte fazia o que mandava. Sabia que era para proteger os mais estúpidos dali, os mais indefesos, mas isso só fazia seu ego inflar ainda mais e o poder em suas mãos crescer.

Tara empurrou suas mãos e deu um passo para trás, o cenho franzido. Aquela ira que sentia fazia o sorriso de Bo aumentar ainda mais.

— Não me toque – ela disse, os dentes cerrados.

— E como chama sua amiga nova? – ele zombou. A indiana empurrou seu peito e mostrou-lhe os dedos do meio, partindo com passos pesados para longe do rapaz.

Poderia ser um peão para Doug, mas para os idiotas daquele Instituto, Bo Skoog era o rei.

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