28. Morto-Vivo

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A última memória que tinha em sua mente era de sua queda, daqueles míseros segundos em que acreditava plenamente que seriam seus últimos vivo. Mas estava errado, pois lá estava Bo, imóvel, sobre a grama úmida pelo sereno da noite.

Enquanto caíam, o garoto e seu colega de quarto monstruoso continuavam travando uma luta braçal. De alguma forma que Skoog não se recordava, conseguira se colocar por cima, fazendo com que a figura gigantesca de Bert amenizasse sua queda. Naquele ponto, o corpo do outro garoto já havia desaparecido, assim como seu sangue, deixando o loiro completamente sozinho na escuridão da noite.

Respirou fundo e fechou os olhos, criando coragem para levantar-se. Foi em vão, estava completamente quebrado. A dor era tão intensa e constante que já não a sentia mais, não tinha forças para gritar por ajuda e não o queria. Precisava dar um jeito de sair dali sozinho.

Tentou mover seu braço direito, que permanecia esticado. Seus dedos se moveram devagar, então seu pulso e seu cotovelo, mas não seu ombro – este emitiu um estalo alto quando tentou mexê-lo, fazendo-o morder os lábios com força para conter um grito de dor. Sua clavícula direita estava quebrada, mas a sua preocupação se voltou ao seus pulmões, que – com o grito reprimido – pareceram se contorcer pelo esforço. Dobrou seu cotovelo e tocou as pontas dos dedos em suas costelas, não foi preciso muito para perceber que a grande maioria estava detonada.

O outro braço sequer se movia, mas suas pernas pareciam quase intactas. Flexionou um dos joelhos devagar e depois o outro, pensando em uma forma de levantar-se dali sem usar suas mãos e nem perfurar completamente seus pulmões. Um plano passou por sua mente e, antes mesmo de executá-lo, já estava arrependido.

Prendeu todo o ar que conseguia antes de dar impulso com suas pernas, girando seu corpo e colocando-se de bruços. Grunhidos de dor escaparam por sua respiração ofegante, agora ainda mais dificultada pelo fato de estar com o abdome tensionado – já que suas pernas estavam dobradas sob o corpo.

Impulsionou seu corpo para cima, colocando-se de joelhos e, finalmente, em pé. Não teria sido um movimento tão difícil e demorado se tudo em seu corpo não estivesse tão dolorido. Ficar em pé era o inferno e desejou como nunca que estivesse morto. Com suas pernas trêmulas e seus braços latejantes, arrastou-se pelo jardim até a porta do Instituto.

Os corredores estavam escuros, seu palpite era que passava da meia-noite. Tudo o que menos queria era que um monstro aparacesse naquele momento, pois tudo o que faria seria levantar os braços em redenção e, provavelmente, rir de sua própria desgraça.

Não sabia como sua aparência estava, mas sabia que qualquer um que um visse ali, fugiria com medo de ser um zumbi, pelo fato de que seu braço quebrado estava grudado contra o corpo e o outro permanecia bobo, pelo modo como arrastava seus pés e, principalmente, pela forma como grunhia a cada passo. Tecnicamente, a pessoa estaria certa.

Depois de uma caminhada que pareceu durar anos, parou no corredor de dormitórios masculinos e apoiou-se na parede, descansando, mas logo foi interrompido por duas sombras que pareciam discutir na porta de seu quarto. Uma era mais alta e esguia, a outra era pequena e parecia carregar objetos identificáveis nos braços.

Aproximou-se mais, usando a parede como apoio e mantendo os olhos estreitos, até que pudesse enxergar de uma distância segura quem eram: Nico e Kim, que furtava de seu quarto algumas de suas garrafas de bebida. Esse era o motivo da discussão dos dois, Kim estava irritada com o mais novo, que não queria permitir passagem.

— Você não pode fazer isso, Kim, não mesmo. Ele está morto, é errado roubar das pessoas mortas. E das pessoas vivas também – o garoto protestou, fazendo a asiática revirar os olhos.

— Nico, saia da minha frente – a voz arrastada indicava que a garota já havia bebido um pouco – Não é como se ele fosse usar isso, não é? Ele está morto! Aliás, por que está aqui?

— Eu só estava indo ao banheiro. Só isso mesmo – ele se defendeu – Você está aqui para se cuidar, Kim, não pode usar essas coisas. É ruim, eu não gosto dessas coisas...

A asiática emitiu um som alto de tédio, jogando a cabeça para trás para mostrar o quão cansada estava daquilo tudo.

— Eu gosto, Nico, agora vaza da-

O garoto tapou a boca de Kim, que arqueou uma sobrancelha. Ele encarava Bo com os olhos arregalados e a boca aberta. Ela empurrou sua mão com a própria cabeça, virando-se para onde seus olhos estavam pousados. As garrafas despencaram no chão, o vidro se estilhaçando, enquanto a expressão da asiática tornava-se a mesma de Nico.

— Mas que merda...? – ela murmurou, antes de puxar seu walkie-talkie do bolso.

— Não chame ninguém agora – Skoog falou, a voz vacilando – Só... Saiam da minha frente.

...

Eles não saíram. Na verdade, arrastaram o loiro até sua cama, desajeitados demais a ponto de quase quebrarem mais os braços de Bo. Ambos encaravam o garoto imóvel na cama, sem se importar com a forma como eram fuzilados com o olhar.

— Ele precisa de uma enfermeira – Kim concluiu.

— Por que não chamamos o Lukas? Ele ajuda com tudo. É, chamar ele é uma ótima ideia. Você tem certeza de que isso não é uma alucinação? Eu não quero ter um surto agora, eu estou muito bem mesmo. Quero dizer, Bo ter morrido é muito ruim, mas ele me dava medo de qualquer jeito. Só que ele está vivo, não é? Na nossa frente? E agora ele ouviu tudo isso? Você acha que eu deveria parar de falar, Kim?

— Sim, Nico – Bo retrucou – Pelo amor de Deus, cale a boca.

O cacheado se encolheu, assentindo levemente com a cabeça e voltando o olhar para Kim, que parecia pensativa. Ela puxou seu walkie-talkie do bolso e arqueou uma sobrancelha, sabia que Skoog não queria ajuda e não poderia impedí-la de chamar.

O mais velho revirou os olhos, fitando o teto de seu quarto, tentando ignorar não apenas os dois, mas a cama vazia de Bert. Não sentia falta do colega de quarto, nunca gostara dele e sequer estava triste por sua morte, mas era estranho pensar que convivera com um monstro esse tempo todo sem perceber. Um monstro que quase tirara sua vida.

Mas estava cansado demais para sentir raiva ou até mesmo irritar-se com a presença dos mais novos. Respirar tornava-se uma tarefa cada vez mais difícil e insuportável, tudo o que mais queria era um bom baseado que acalmasse seus nervos e o fizesse dormir.

Ou talvez não precisasse de maconha para dormir, já que seus olhos tornavam-se cada vez mais pesados e os sons cada vez mais distantes. A voz de Kim chamando seu nome era quase inaudível e nem mesmo os sacolejos desesperados da garota causavam-lhe dor.

Apenas fechou os olhos e descansou um pouco.

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