34. Porcelana

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     Enquanto Noah ajeitava o macacão de Ronan, Nico concentrava o olhar em suas próprias mãos. Não conseguia parar de pensar no que acontecera no dia anterior, nos beijos de Kim e Noah.

     Passara a vida recebendo carícias e coisas piores de seu pai, mas nunca um beijo. Talvez o homem ainda prezasse por uma parte de sua inocência, mesmo com tudo o que fazia. Kim tirara a virgindade de seus lábios e Noah também.

     Mas Noah era um garoto e, por causa de todas as experiências ruins com garotos/homens mais velhos, Nico acostumou-se a temer a maioria até que tivesse certeza de que não era ameaças – sempre soube que Noah era confiável, não só por ser mais novo, mas por não parecer assustador. Mas ele o beijara... –. Além disso, era seu melhor amigo. E namorava Ronan. Não queria estragar tudo, com certeza não.

     Já Kim era diferente, era uma garota e Nico nunca havia se aproximado dessa forma de garotas antes. Quando ainda estava na escola – quando era saudável –, as pessoas costumavam evitá-lo e talvez até rir por suas costas apesar de nunca saber o motivo. Garotas, mesmo que achasse alguma bonita, estavam fora de cogitação.

     A asiática era o perfeito exemplo de garota que riria de sua cara, que faria piadas sobre seu interesse pelos estudos e por video-games, que apoiaria quando os garotos mais velhos derrubassem seus livros pelo corredor, mas ela nunca o fez. Kim o tratava bem como todos os outros do grupo, mas um detalhe diferenciava ela de Tara ou Liz: Kim não o tratava como se ele fosse um bebê, como se fosse uma porcelana trincada prestes a despedaçar. Ela o tratava como um garoto de quinze anos, que poderia ser irritante às vezes, mas ainda era um adolescente. E foi isso que fez com que Nico gostasse da garota – não em um sentido romântico, mas em um sentido normal. Ele gostava dela e pronto. Achar Kim bonita ou interessante por ter uma cultura tão diferente era uma consequência.

— Nico! – Ronan levantou o rosto do garoto, os olhos arregalados – Você está bem?

— Sim, o que foi? – respondeu, confuso – Aconteceu alguma coisa, Ronnie? Eu fiz alguma coisa?

— Você não estava respondendo, eu achei que estivesse... Bom... – o moreno deu de ombros. Nico esbanjou um sorriso gentil.

— Eu estou bem, Ronnie, só estou pensando – falou – Precisamos ir, não é? Eles devem estar no esperando, certo?

Ronan assentiu, passando o braço em volta dos ombros do ruivo ao seu lado. Martin levantou-se da cama, saindo na frente em direção à porta. O toque de recolher ainda não batera, alguns pacientes andavam pelos corredores, era possível ouvir risadas, crianças correndo, funcionários dando bronca... Nico gostava de quando o Instituto estava assim, vivo.

Giraram a maçaneta do quarto de Bo, local onde combinaram a reunião. Quando a porta se abriu, a única pessoa que encontraram ali foi o dono do quarto, que permanecia deitado na cama, a sobrancelha arqueada e uma garrafa de uísque na mão que não estava enfaixada.

     — Onde estão os outros? – Ronan perguntou, o loiro arqueou ainda mais as sobrancelhas.

     — Será que estão com a Liz, Liz, Liz, Liz...? – Noah indagou, quase num sussurro, para o namorado.

Simmons pegou seu walkie-talkie, apertando o botão e chamando por qualquer um que estivesse na escuta. Não obteve resposta alguma, o que fez com que engolisse em seco.

     — Vou procurar por eles, vocês fiquem aqui – falou, olhando para Noah e Nico, que revezou o olhar entre os dois.

     — Ron-Ronan? – o ruivo segurou o pulso de Simmons, com olhos suplicantes de um gatinho. O outro sorriu, beijando-lhe a testa. Nico apenas desviou o olhar para os próprios pés.

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