Enquanto Liz e Lukas arrastavam a asiática para fora, Bo observava em silêncio, ignorando completamente a dor infernal que sentia em sua perna.
Tara soltou um suspiro alto e cansado, caminhando até a porta e fechando-a. Seus dedos deslizaram pela parede em busca de um interruptor escondido atrás das prateleiras que acendeu uma luz amarelada e quase inútil. A garota encostou-se na porta, os olhos fechados. Era a primeira vez que Bo a via daquela forma, tão assustada e exausta.
— Quando tudo isso acabar, vou ficar tão chapada... – murmurou. O loiro sorriu.
— Então é melhor terminarmos isso logo – respondeu, apanhando alguns panos de chão de uma prateleira e jogando-os para Tara, que os apanhou no ar.
— É impressão minha ou a poça diminuiu? – Tagore indagou, arqueando uma sobrancelha.
— Bom, meu macacão absorveu metade...
Skoog ajoelhou-se com dificuldade ao lado do sangue, colocando um dos panos ali e observando-o encharcar. A indiana imitou o gesto, mas com mais panos de uma vez até que não sujasse suas mãos de sangue quando os tocasse. Bo gostava de ver o vermelho se espalhar lentamente, fio por fio.
Lembrava-se da semana em que chegara ao Instituto, há três anos, da primeira vez em que observara um tecido manchar-se totalmente de sangue. Era a segunda vez que assassinava, mesmo que indiretamente, alguém. Passara a infância acertando pássaros com pedras, mas não era mesma sensação de saber que tirara a vida de um ser humano, toda a essência do ser mais evoluído do planeta nas mãos de um adolescente – e sem remorso algum.
— Bo? – ouviu a garota chamar seu nome, tirando-o dos devaneios – O sangue...
Franziu o cenho e abaixou o olhar para os panos que mantinha em suas mãos, confuso. Sussurrou um palavrão surpreso e afastou-se com o susto ao ver que o líquido, outrora vermelho, perdia a cor lentamente, secando. Olhou para seu próprio macacão, agora límpido e sem rastro algum.
Eles ficaram em silêncio, apenas a respiração ofegante de ambos. Encararam-se por alguns segundos, Bo sabia o que a garota estava pensando: eles estavam loucos. Oficialmente.
...
Todos os pacientes que passavam pelos corredores nas trocas de atividades não desconfiavam do que poderia ter acontecido, nem mesmo os funcionários. Tara e Bo caminhavam para o quarto de Ronan, em silêncio, a cabeça baixa. O garoto encarava seus próprios pés, os tênis encardidos sem uma gota sequer de sangue; não sabia se estava ao certo com medo, na verdade, sentia como se tudo aquilo fosse irreal, como se estivesse em um sonho estranho.
Não bateu na porta, apenas entrou no quarto dos garotos, assustando todos. Lukas – que estava sentado na cama de Nico com o garoto – apontou para os dois, os olhos verdes arregalados.
— Vocês também estão secos! – exclamou.
Skoog olhou em volta, todos estavam limpos. Seus olhos pousaram em Liz, que estava recostada na parede ao lado da cama de Noah, os olhos fechados enquanto massageava as têmporas. O fato de que ela poderia estar certa fazia-o sentir-se ainda mais estranho, quase nauseado.
Encostou-se na porta, observando enquanto Tara sentava-se ao lado de Lukas na cama. Na cama ao lado estava a asiática, ainda desacordada, com um curativo cuja estampa de carrinhos era tão ridícula que Bo não conseguiu impedir-se de revirar os olhos.
Deslizou as costas pela madeira fria, sentando-se no chão ainda mais frio e levantando a barra da calça para analisar a faixa improvisada de Tara. Sua perna latejava, pulsando, relaxar um pouco era um alívio para o rapaz, por mais que ainda sentisse a tensão.
— Então... Vai nos contar o que viu? – Liz quebrou o gelo, olhando com desdém para Lukas, que desviou o olhar para os próprios dedos entrelaçados.
— Ontem eu fumei um pouco – falou, era possível sentir vergonha em sua voz. Skoog revirou os olhos novamente – Eu estava voltando para o quarto e vi uma coisa grotesca devorando uma pessoa. O efeito já estava passando, mas não dei bola na hora. Agora, já não sei mais...
— Coisa grotesca – Noah murmurou, encolhendo-se ao lado de Ronan, ambos sentados em sua cama.
— Vocês têm certeza de que não estavam chapados? – Liz indagou, revezando o peso de uma perna a outra.
Tara tirou do bolso o pacote de tabaco que Bo lhe dera, entregando para sua colega de quarto, as sobrancelhas arqueadas.
— Era a única coisa – falou. Liz analisou o pacote e lhe devolveu, devagar, como se estivesse com medo.
Quando o silêncio se instalou entre os jovens novamente, Skoog voltou-se ao ferimento em sua perna, retirando o curativo e analisando a ferida. Quatro furos na parte da frente da perna, um na panturrilha, profundos os suficiente para que Bo inserisse a ponta de seus dedos perfeitamente; a gosma que outrora estivera ali estava seca também, deixando apenas o sangue do rapaz que não parava de escorrer.
— Precisamos de um médico – Ronan concluiu, chamando a atenção do rapaz, que notou como todos encaravam-no meio com nojo, meio com medo.
— E vou dizer o quê? – Skoog indagou, rude demais. Ronan franziu o cenho e virou o rosto, bravo com a resposta do rapaz, que revirou os olhos novamente. Se tivesse que fazê-lo outra vez, provavelmente saltariam da órbita.
— Alguém pode ir até lá e pedir por curativos – Liz sugeriu, os olhos estreitos, como se isso a ajudasse a enxergar melhor.
— Eu posso tentar, eles me conhecem bem – Lukas disse, dando de ombros – Aliás, o que faremos com a Kim?
Todos os jovens tornaram-se para a asiática na cama, adormecida, com um galo na testa, cujas roupas e o rosto também já não tinham resquícios de sangue.
— Existe a probabilidade de tudo ter sido mesmo uma alucinação, incluindo o sangue... – Tara falou, com cautela – Mas ela não estava lá conosco, ela não sabe o que aconteceu...
— Então, se ela também viu o sangue... – McKenzie continuou o pensamento ao seu lado – Foi real?
Bo viu olhos se arregalarem e corpos se mexerem com o nervosismo. Ele sabia o que vira, sabia a dor que estava sentindo; não fora uma alucinação. Por outro lado, a ideia de que um monstro estranho havia o atacado perturbava sua mente.
— Ok, isso faz sentido – Liz admitiu, a mão no queixo enquanto pensava – Então precisamos esperar ela acordar?
Nico estremeceu, abraçando os joelhos e sussurrando para si mesmo como uma criancinha assustada, quando Lukas levantou da cama, pedindo passagem para Bo na porta. O mais velho levantou as sobrancelhas e suspirou.
— Vou pegar os curativos – anunciou – Não abram a porta para ninguém além de mim.
Quando fechou-a, Skoog revirou os olhos outra vez, suspirando. Não gostava de receber ordens, nem um pouco, muito menos de alguém que de quem não gostava – Bo não gostava da maioria das pessoas, na verdade, era indiferente. Eram poucas as que dava a mínima.
O rapaz não demorou muito para voltar e sua respiração irregular indicava que viera correndo. Não imaginou qual desculpa usou, talvez não tivesse precisado de nenhuma; era um grande adulador. Colocou gazes nos rasgos da perna de Skoog, prendendo tudo com uma faixa maior que deu a volta em sua perna, impedindo que o sangue vazasse dessa vez.
Bo não agradeceu e Lukas não se importou.
Agora, o menor de todos os problemas fora resolvido.

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Éden
Science FictionO Instituto Psiquiátrico New Eden é um local acolhedor que preza pelo conforto e pela restauração mental de seus jovens pacientes. No entanto, quando monstros se infiltram no local, oito residentes passam a se perguntar se o que vêem é real ou se é...