O silêncio o ensurdecia, a tensão piorava sua mente; as vozes gritavam.
— Puta merda – a garota de cabelo azul murmurou, levando as mãos à cabeça.
— Vocês acreditam agora? – a indiana indagou, sua voz era cansada e quase embargada.
Nico não conhecia aquelas pessoas e sentia medo. Todos pareciam rebeldes demais e o corpo... Tinha certeza de que vira um corpo ali, mas não queria checar. Cogitou correr para longe, mas temia cruzar com o monstro que descreviam. Estavam alucinando mesmo? Martin não sabia, e preferia não arriscar.
Inclinou-se um pouco, a fim de aproximar-se do ouvido de Noah, os olhos fechados para que não visse nada.
— Você não acha melhor sair daqui? Eu estou com medo – sussurrou.
— Medo, medo – o ruivo sussurrou de volta, os olhos fechados com força enquanto encolhia-se nos braços de Ronan.
O moreno encostou-se novamente na parede, enquanto os outros entravam na sala. Ronan permanecia parado à porta, revezando o olhar entre o quarto de limpeza e o garoto amedrontado - era quase um paradoxo, revezava o olhar entre o crime e a inocência.
— Não tem nada aqui – Simmons disse, a voz falhando.
O mais velho encarou os olhos escuros de Ronan, que parecia tão chocado quanto o garoto. Sentiu vontade de chorar, não sabia o que seria pior: o fato de que realmente houvera um corpo ali ou estar alucinando. Nico não queria nada daquilo, fora ao Instituto para melhorar, não para ter efeito contrário.
— Você viu, não viu? – gaguejou para Ronan. Naquele momento, o medo que sentia do mais novo era quase inexistente diante do turbilhão de sentimentos que o invadiam - Tinha uma pessoa morta, não é?
Ronan assentiu levemente, encarando a cena dentro do quarto, onde todos permaneciam em silêncio. Também estava assustado, Martin sabia, e com isso abraçava Noah com mais força.
— Mas não tem mais – Simmons disse.
Nico respirou fundo e tirou as costas da parede, dando um passo mais perto da porta. Se havia um corpo, se não era um ataque psicótico, como poderia ter desaparecido? E se todos ali estivessem tendo um ataque? E se aquilo fosse realmente um monstro? Todas as alternativas lhe assustavam. Precisava ver com seus próprios olhos, ter certeza do que estava acontecendo.
Virou-se para a porta, esticando o pescoço para enxergar melhor por trás da garota de cabelos azuis, que era quase de sua altura. Tudo o que restava era uma poça de sangue que ocupava praticamente o cubículo todo, sem rastros que indicassem que o possível cadáver havia fugido. Todos os jovens rodeando-a, ignorando o cheiro forte de pó e cloro, encarando o sangue em silêncio.
A indiana passava as mãos na cabeça raspada, os olhos arregalados - estava tão assustada quanto Nico, já que ninguém acreditava no que vira. Ele sabia como era se sentir assim, como era ver coisas que ninguém mais via. Sabia como era difícil se convencer de que algo não era real, sempre fora -; Lukas estava ao seu lado, seu braço contornando os ombros da garota, a testa franzida e os olhos estreitos, como se tentasse analisar melhor o que acontecera; do outro lado, encostado em uma caçamba de lixo amarela e aparentemente inutilizada, estava a única pessoa que não parecia chocada ou assustada, um garoto cujos cabelos cacheados e louros estavam sujos de sangue, assim como o rosto inexpressivo e o macacão branco.
— Não pode ser uma alucinação – Lukas murmurou, como se tentasse se convencer de suas próprias palavras – Não é possível.
— Sim, é muito possível – a morena disse. Sua entonação não era mais acusativa dessa vez, era como se não quisesse aceitar as possibilidades, como se não quisesse acreditar no que dizia – Vocês estão enlouquecendo e me deixando louca.
— Não era uma alucinação, Liz, eu e Bo não temos alucinações – a indiana respondeu, acenando com a cabeça em direção ao rapaz inexpressivo que agora tinha um nome – Além do mais, você viu o machucado de Bo. Por que ainda insiste que isso foi uma alucinação?
— E você acha a alternativa "um réptil gigante nos atacou e depois virou um funcionário que agora desapareceu" mais aceitável? – a garota que Nico julgou ser Liz respondeu – Quão impossível toda essa merda é, Tara?
— Foi o que aconteceu! – a outra, Tara, falou – Você não me conhece, Liz, não conhece nenhum de nós. Se isso fosse uma alucinação, tenha certeza de que eu não procuraria por minha colega de quarto.
Sua mente começou a gritar, tão alto quanto a discussão das garotas. Nico não conseguia respirar direito e suas pernas tremiam, como se seu corpo pesasse toneladas. Não queria ficar ali, mas não queria sair enquanto não soubesse o que estava acontecendo. Queria ter certeza de que não fora uma alucinação, de que não estava piorando. Tivera apenas um ataque psicótico desde que adoecera, e três semanas depois já estava no ônibus a caminho do Instituto. Lembrava de como fora horrível e tudo o que menos queria era que aquilo se repetisse.
— Nico? – a voz de Ronan era como um sussurro distante – Lukas!
Tudo parecia um borrão para o garoto, as lágrimas tornavam sua visão turva, mas conseguiu enxergar a figura branca saindo da sala e correndo em sua direção. Lukas segurou seu rosto e levantou sua cabeça; podia sentir as mãos do rapaz, mas não enxergava sem rosto. Abraçou-o com força, estava com tanto medo e o mais velho era o único - com exceção de Noah, que também não estava em condições de ajudá-lo - em quem confiava de verdade, era como o irmão que nunca teve.
Mesmo abraçando Lukas com força, encolhido como uma criança, Nico manteve os olhos abertos, vendo enquanto as duas garotas partiam para uma briga física.
— Bo! – Lukas gritou ao outro rapaz, para que fizesse algo.
Bo revirou os olhos e mancou até as garotas, colocando-se no meio. Nico não conseguia ouvir o que ele dizia, nem o que as garotas gritavam; tudo estava abafado, distante. Pôde ver Liz empurrando-o na poça, o sangue respingando para todos os lados enquanto Tara avançava na garota. E, no timing perfeito, quando Tara colocou Liz contra a parede, todos paralisaram, virando-se para uma sombra parada atrás de Nico.
O garoto virou a cabeça lentamente, com medo do que poderia ser. Não era um monstro, tampouco algo assustador: era Kim, o sangue respingado em seu rosto e macacão, os olhos arregalados em choque.
— Que porra é essa? – foram suas palavras. Lukas soltou um suspiro irritado e cansado.
E, antes que alguém pudesse responder, uma mão pequena empurrou a cabeça cabeça da garota contra a parede e seu corpo desabou no chão, desacordado. Nico afastou-se de Lukas com o susto, o mais velho encarando o corpo da asiática, tentando processar toda a informação.
Todos os jovens pousaram o olhar sobre o garoto pequeno de cabelos escuros, que mantinha Noah escondido com apenas um braço. Ronan deu de ombros, limpando a mão livre no macacão e abraçando novamente o ruivo.
Naquele momento, pela primeira vez em muito tempo, Nico não conseguiu dizer nada.
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Éden
Science FictionO Instituto Psiquiátrico New Eden é um local acolhedor que preza pelo conforto e pela restauração mental de seus jovens pacientes. No entanto, quando monstros se infiltram no local, oito residentes passam a se perguntar se o que vêem é real ou se é...