20. Indiferente

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Seus olhos estavam cerrados enquanto tentava concentrar-se para ler, mas Bert não parava de assoviar uma música qualquer a qual Bo não dava a mínima. Já suspirara alto algumas vezes para que o colega de quarto ficasse em silêncio, mas acreditava que o garoto fosse burro demais para notar isso.

— Puta merda, Bert – falou, os dentes cerrados – Eu vou enfiar esse livro no seu –

Antes que pudesse terminar sua ameaça, a porta do quarto se abriu, mostrando um funcionário com olhos verdes redondos e preocupados. Skoog arqueou uma sobrancelha, esperando que o homem dissesse algo.

— Bo Skoog? – o funcionário leu um papel pequeno em sua mão, aproximando-o tanto de seu rosto que o loiro se questionou sobre qual era a utilidade do óculos que usava – Você tem um visitante-emergência. O nome dele é Bobby.

Skoog levantou-se quase num salto, calçando seus tênis e lançando uma última fuzilada de olhar a Bert – que permanecia paralisado desde a hora em que seu colega de quarto abrira a boca.

O funcionário guiou-o até alguns bancos no jardim, onde a figura de Bobby foi rapidamente localizada. O homem alto e calvo deu um sorriso de agradecimento enquanto o homem de macacão verde se afastava, deixando apenas os dois conhecidos à sós.

— Você emagreceu... – Robert comentou, coçando o queixo. O adolescente revirou os olhos.

— Vai me dizer o motivo de não ter pagado Doug ou vai continuar apontando detalhes inúteis sobre minha aparência? – o loiro retrucou, cruzando os braços.

Sempre foi magro demais e um tanto quanto alto para sua idade, além disso, desde que entrara no Instituto começara a usar mais drogas – além de traficar – e comer menos da pseudo-comida que serviam. Dizer que Bo estava magro era o mesmo que apontar que o céu é azul.

O homem suspirou, sentando-se no banco, fitando os próprios sapatos polidos. Era como se estivesse de luto, com o clima pesado e o silêncio.

Bo nunca teve afinidade com sua família: sua mãe era um objeto inanimado perto de seu pai, sem opinião própria ou qualquer traço que marcasse um pouco a sua existência na Terra; seu pai não era um monstro, era apenas um empresário. Acreditava que, de certa forma, fizera filhos apenas para sair nas capas das revistas, pois nunca deixara de ser o homem de paletó atrás da mesa de escritório; seu irmão era uma tentativa falha de ser o próprio pai, estava sempre querendo dar ordens e ser um homem de presença, mas não passava de um cachorrinho assustado.

E então havia Bo, o mais novo, o filho prodígio que se tornaria um astro da televisão, carregando o nome da família para o mundo todo. Bo, a decepção da família, a negação, a criatura que deveria ser escondida – o psicopata.

Não sentia raiva de sua família pela exclusão e vergonha que sentiam do garoto, mas também nunca os amou. Era indiferente e, se algum deles estivesse morto, não conseguiria sequer fingir se importar.

— Uma coisa gigantesca caiu do céu na fábrica do sul, talvez um pedaço de avião ou de satélite... – Bobby disse, finalmente – Seu pai está quase falido, os gastos estão apertados, cada moeda está contada.

— E...? – o loiro arqueou uma sobrancelha. O homem ajeitou o terno e abriu a boca, como se a reação do garoto fosse uma ofensa para ele e sua roupa cara.

— Apesar de tudo, ainda gosto de sua família e os respeito – falou – Não quero desviar dinheiro enquanto estão passando por uma crise.

Skoog riu de escárnio, balançando a cabeça como se tudo aquilo não passasse de uma piada ridícula.

— Você deveria ter pensado no respeito antes de aceitar fazer parte dessa merda – comentou – Prefere arriscar nossas bundas do que roubar um pouco mais?

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