30. Suportável

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     Quando Tara abriu a porta de forma desesperada, Nico e os outros garotos já estavam ali. Lukas checava o loiro desacordado, enquanto os mais novos permaneciam sentados em uma das camas, mais apertados do que o necessário.

     — Ele está bem? – a indiana indagou, abaixando-se ao lado do mais velho, a fim de aproximar-se de Bo.

     — Meu palpite é: um braço quebrado, essa clavícula claramente fora do lugar e as clavículas. As pernas parecem ok, tirando um tornozelo meio estranho... – McKenzie falou – Mas ele ainda está respirando.

     — Vocês perceberam que esse cara sempre nos dá problemas médicos? – Kim comentou.

     — Lukas, Tara, vamos levar ele até a enfermaria – Liz ignorou a asiática, antes de voltar-se à ela – Você e Ronan, fiquem aqui com Nico e Noah, nós voltamos logo.

     Young-Woo soltou um grunhido, que foi novamente ignorado pelos mais velhos. Não queria ficar ali e esperar, na verdade, esperar pelo quê? Só queria beber em paz, sem Nico a importunando e nem Bo desmaiando pelos corredores novamente.

     Lukas levantou o corpo do desacordado de forma desajeitada, os membros de Skoog moles e tortos demais. Tara ajudou a ajeitá-lo nos braços do mais velho, enquanto Liz abria a porta para que passassem apressados.

     Quando os quatro deixaram o quarto, um gelo se instalou no ar. Kim soltou um suspiro alto, ainda fitando a porta fechada.

     — Eu não sei vocês, mas eu vou procurar algo divertido – anunciou, levantando-se da cama e partindo em direção ao armário do dono do quarto.

     — Kim, não é hora para usar drogas – Ronan proferiu, a voz baixa, enquanto encarava os próprios dedos entrelaçados aos de Noah.

     — Ah, Ronan, qual é! Todos podem se drogar quando querem e eu não posso beber um pouco? – ela protestou, tirando uma garrafa pela metade de uísque de uma das gavetas. O tesouro perdido.

     — Ninguém se droga em momentos importantes, Kim, só depois deles – Simmons retrucou, franzindo o cenho.

     A garota revirou os olhos, girando a tampa da garrafa. O moreno bufou, balançando a cabeça com a irritação. O líquido desceu como água por sua garganta, limpando todo resquício de tensão que possuía.

     Tudo o que queria era voltar para casa e fugir de toda aquela loucura. Não aguentava mais tudo aquilo: monstros, sequestros, assassinatos... Naquele dia em que se envolvera   na história, quando encontrou todos brigando no quartinho de limpeza enquanto passava pelo corredor, estava planejando fugir. Não sabia se voltaria para casa – afinal, seus pais sequer estariam lá –, mas pelo menos estaria longe.

       — Sabe qual é o problema? – Kim disse, a voz arrastada – Não parece que essa merda vai acabar. Eu não vejo um final para isso e esse é o problema – ela entornou a garrafa, acabando com o resto que continha – E como isso começou? Sabe, que porra é essa?

     — Estamos tentando descobrir... – Ronan murmurou, antes de arregalar os olhos e saltar com o susto ao ter o pulso agarrado por Nico repentinamente.

     — E se forem aliens, Ronnie? Eu posso te chamar assim, não é? – Nico falou, os olhos brilhantes, o menor anuiu – E se eles tiverem tomado a identidade de todos? Eu vi muito nos filmes, sabe? Eles se transformam e matam os humanos para povoarem a Terra. É assustador, Ronnie, assustador mesmo. Precisamos encontrar alguém que cace alienígenas.

     Kim demorou alguns segundos até processar a informação. Quando o fez, gargalhou, virando a garrafa nos lábios e se decepcionando ao lembrar que a bebida havia acabado.

     — O que sugere, gênio? – ela perguntou, ríspida, recebendo um olhar de repreensão de Ronan – Os homens de preto?

     — Não, Kim, eles não existem! – o cacheado disse, sem entender o sarcasmo da garota, como se ela fosse estúpida – Nós precisamos achar a nave. Talvez tentar contato com um deles, sim, contato! Falar com um deles enquanto estiverem transformados, já que aquele cara... Bom, não deu certo. Eles não sabem disso enquanto estão humanos, é tipo uma infecção! Um vírus alienígena, Ronnie! Acho que eles só querem voltar para casa.

     Ronan coçou o queixo por alguns segundos, pensativo, enquanto Noah sussurrava repetidamente a palavra "casa".

     — É uma boa teoria, Nico, de verdade – Simmons concluiu, assentindo em admiração pelo mais velho. Os olhos do cacheado brilharam.

     Kim balançou a cabeça, sorrindo com indignação. Primeiro, demônios; agora, alienígenas. Qual seria a próxima teoria? Fadas? Viajantes do tempo? Bruxas? Talvez nunca seriam capazes de descobrir e, mesmo se conseguissem, o que iriam fazer?

     Poderiam tentar lutar, mas nunca ganhariam aquilo, não sem reforços de verdade. Mas a polícia nunca acreditaria em adolescentes internados em um Instituto Psiquiátrico.

    — Eu deveria estar visitando meus avós em outro país, não combatendo monstros demoníacos de outro planeta – ela murmurou, mais para si mesma do que para qualquer um.

     — Bom, Kim – Nico chamou, esfregando o próprio braço, como se estivesse envergonhado – Monstros demoníacos de outro planeta parecem mais legais do que visitar os avós. Eu acho, parecem mesmo. Mais empolgante, não é?

     Simmons sorriu para a garota, arqueando uma sobrancelha. A asiática retribuiu o gesto e voltou um sorriso gentil ao cacheado.

     — Sim, você está certo – confessou – Quando foi que vocês ficaram tão... Suportáveis?

     Ronan fez uma careta, como se tivesse provado algo azedo demais; Noah não parecia estar prestando muita atenção na conversa, apenas tombou a cabeça para o lado; um sorriu cresceu de orelha a orelha no rosto de Nico e seus olhos brilharam.

     — Você acha que sou suportável? Não me acha irritante e tagarela? Você gosta de mim, Kim? Gosta mesmo? – ele perguntou, como um cachorrinho animado.

Kim deu alguns passos à frente e reclinou seu corpo, depositando as mãos sobre os ombros do garoto e respondendo com um beijo delicado em seus lábios, que sequer se moveram. Não sabia exatamente o motivo de tê-lo beijado, talvez fosse o álcool bagunçando sua mente. Mas ele era tão adorável...

Afastou-se, naturalmente, tornando-se a Ronan e Noah, que admiravam os dois com a mesma expressão de surpresa e felicidade contida. Levantou-se da cama e ajeitou o macacão, fingindo não estar vendo a figura congelada e rosada de Nico.

— Estou indo para o meu quarto, preciso dormir – disse – Vocês deveriam fazer o mesmo, podemos avisar os outros pelo walkie-talkie. Já passa da uma da manhã, precisamos descansar.

— É, foi um dia cheio, cheio, cheio! – Noah falou, sorrindo para Martin, que ainda não dizia nada.

— Boa noite, meninos.

Young-Woo respirou fundo e começou a caminhar até a porta, repensando tudo o que acontecera naquele dia. Toda a ação no telhado, a morte e ressureição de Bo, o beijo inesperado em Nico... Realmente fora um dia cheio e tudo o que precisava era dormir e se preparar para outro dia.

— K-K-Kim? – Nico chamou, antes que a garota fechasse a porta. Ele não sorria, estava chocado demais, mas suas bochechas rosadas eram o suficiente para fazê-la não se arrepender – Boa noite.

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