Capítulo 9

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Está fazendo muito frio, e eu acordo por causa disso. Preciso de pelo menos mais um cobertor se não irei congelar. Ana é a moça que cuida das roupas, vejo que ela está acordada e vou até ela.

— Oi, tudo bem, desculpa incomodar a este horário, é que estou com muito frio. Será que você poderia dar-me um novo cobertor?

— Seu nome é Vale, né? Perdão, mas nossos cobertores acabaram já. Realmente está muito frio e...

Então uma voz rouca interrompe a nossa conversa. Zumbi.

— Você está com frio? Fique com o meu cobertor então.

— Não precisa... É..

— Precisa sim! Fique com ele, por favor. Se você achar melhor, deite-se perto da onde eu durmo. Lá próximo ao elevador, o motor quente ajuda a esquentar.

Então eu o sigo até o elevador, ele se afasta o bastante eu me deito. Realmente posso sentir o calor do motor do elevador, o espaço também é mais seco e possui menos infiltração. Este segundo cobertor está fazendo toda a diferença.

— Obrigado zumbi.

— De nada, qualquer coisa só pedir. Agora vou dormir, e acho melhor você fazer o mesmo. Amanhã chegará nossos suprimentos, vamos ter muito trabalho pela frente. Boa noite.

Como ele consegue dormir sem cobertor? Realmente está muito frio aqui. O cansaço está me consumindo lentamente. Posso ver a nevoa que cobre o Esgoto, alguém está andando no meio dela. Quem será?

Essa pessoa vem correndo em minha direção, puxa meu cobertor e estala um cinto no chão. A nevoa não deixa ver quem é, então, eu fico em pé e tento identificar. Estou com medo.

Chego mais perto e toco o rosto dele, ele não possui boca, nariz, olhos. Não possui face. Sua pele é gelada e enrugada. Rapidamente saio correndo ele vem atrás de mim. Pulo por cima das pessoas dormindo. Tenho certeza que na caixa de suprimentos haverá algo. Então escuto um barulho. Olho para trás e meu Pai está jogado no chão, de sua cabeça sai sangue. Zumbi está segurando um bastão de beisebol. Ele se aproxima de mim e diz com sua voz rouca.

— Problema resolvido, por favor, volte a dormir.

Acordo com os ruídos do elevador. Já é de manhã, está mais quente e as cargas estão chegando. Posso ver o sorriso de felicidade no rosto de cada um, principalmente no de zumbi.

Aiya corre até mim e pergunta.

— Você dormiu aqui? De madrugada tentei te encontrar e não te vi.

— Dormi, eu estava com muito frio e zumbi me ajudou.

— Eu já me acostumei, é normal esse frio durante a madrugada. Já chegaram as cargas, você não vai ajudar?

— Vou sim, o que eu preciso fazer?

— Carregar essas caixas daqui para lá, as cinzas são mais leves, contém apenas roupas nelas.

Todas as pessoas ajudam ninguém fica de fora. Então eu pego uma caixa cinza e carrego até o outro lado do Esgoto. Esqueci que minhas mãos estão machucadas e sinto uma pontada muito fraca em meus pulsos, já estou cicatrizando.

—Você não precisa fazer isso.

Então zumbi retira a caixa da minha mão, põem no chão. Vai em direção as caixas amarelas, retira uma pomada e um atadura. Limpa minhas mãos com água, passa a pomada e faz um novo curativo. Percebo que realmente a ferida está melhor.

— Fique sentada aqui, por enquanto não precisamos de você.

— Tudo bem.

Ele pega a caixa cinza e leva até o outro lado. Ele parecia tão assustador na primeira vez que o vi, agora vejo porque todos aqui gostam dele. Ele é simpático e generoso. Ele não fala muito, mas seus gestos falam por ele. Até em meus pesadelos ele é legal.

Olhando todas essas pessoas ajudando e cooperando, me vem à mente o emprego da Mamãe. Todos no lixão fazem algo, o trabalho é muito duro, mas com muitas pessoas ajudando o serviço fica leve. Trabalham muito, para no fim receber uma pequena mixaria.

A pequena mixaria recebida aqui é dividida em caixa coloridas. As cinzas contem roupas e cobertores. As caixas amarelas, remédios, as verdes bebidas e as azuis comidas. Todas as caixas são pequenas e contem o significativo para uma semana.

A alimentação aqui é basicamente cereal e pães. Segundo Aiya, às vezes vem carne ou frango, mas quase nunca. Se eles estão magros desse jeito não é por causa de drogas, e sim por causa da alimentação.

Alguns garotos levam mais de uma caixa ao mesmo tempo, seus braços parecem que vão quebrar ao meio. Todas as caixas estão sendo empilhadas no fundo do Esgoto. A última caixa já está sendo levada por uma garota loira. Quando ela chega todos batem palmas, o trabalho foi concluído.

Lúcia está andando até mim, ela está suada como todos e demonstra sinal de cansaço. Ela sorri e me abraça.

— Como foi a sua noite?

— Dormi bem depois que consegui um cobertor, tive um pesadelo, mas nada demais...

— Que bom, o zumbi está chamando você. A sua mão não deixou você carregar as caixas, mas você ficou com outra função. Ajude os líderes a catalogarem o que tem e a distribuírem no decorrer da semana. Aqui é a casa do bom homem, quem não trabalha não come.

Começamos a rir, levanto-me do chão e vou até zumbi. Ele está com Ana e Joseph. Ana cuida das roupas e Joseph junto com Zumbi das comidas, bebidas e remédios porque o trabalho é maior.

— Vale, você pode nos ajudar?

— Claro, posso, o que eu tenho que fazer?

— Conte quantos comprimidos nós temos aqui nesta caixa. – Me direciona Joseph. Joseph tem os olhos bem azuis, ele é careca e muito branco. É mais forte que Zumbi, e possui uma tatuagem no pescoço.

— Como vocês cortam o cabelo aqui? – Retiro os compridos da caixa.

— Uma vez no mês um cabelereiro lá de cima desce até a aqui e apara os nossos cabelos. Precisamos tomar cuidado por causa de piolhos, já tivemos um surto aqui, mas passou.

Joseph é sério e responde-me sem olhar para mim em nenhum momento. Ele está muito concentrado em seu trabalho. Decido não perguntar mais nada, e começo a contagem dos comprimidos.

— Então quer dizer que você feriu Érika Godsvill, certo? – Zumbi me pergunta e interrompe o silêncio.

— Feri, sim.

— Meu sonho é poder ferir algum desses Pais, você não sabe o quanto de inveja eu estou de você.

— Nossa, mas porque todo esse ódio? – Eu forço uma risada para ele entender que estou sendo irônica.

— Para todos eles caírem, Abraão Hustock precisa cair primeiro. Não sei em que dia isso irá acontecer, mas vai acontecer!

Zumbi fala com uma determinação perceptível em seu tom de voz. Pensa em algo e eu me atrevo a perguntar.

— Quem é Abraão Hustock?

— Infelizmente ele é meu Pai, ele mentiu para mim, eutorço para que ele não saia impune. - Eu e Adrian temos uma coisa em comum: nós odiamos nossos Pais.
 

    

FILHOS - [COMPLETA]Onde histórias criam vida. Descubra agora