Capítulo 16

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Estou novamente no elevador e voltando a superfície. O rapaz que me leva é alto e sério. Ele não troca palavras. Faltam cento e cinquenta e sete andares para eu finalmente chegar à superfície.

— Houve um atentado lá fora? – Pergunto quebrando o silêncio.

Ele não responde. Continua sério e sem reação.

— Houve um atentado lá fora? – Pergunto novamente e com um tom de voz mais alto.

Ele não responde. Deve estar sendo pago para isso, pago para não falar nada. Eles sempre estão a favor do Governo. Até parece que eles nunca foram prejudicados. Na verdade todos desta instituição estão prejudicados.

— Você não perdeu Mãe ou Pai lá fora? – Afronto. Eu não devia fazer isso.

Então o rapaz me dá uma apunhalada com sua arma e eu desmaio. Caio no chão.

Estou com uma dor latejante na nuca. Acordo e estou deitada em uma maca. Algumas pessoas andam de um lado para o outro. Elas vestem branco. Ao meu redor vejo outras macas e alguns adolescentes estão deitados. Alguns acordados e outros estão dormindo.

— Muito bem senhorita. Então você está totalmente arrependida? – Érika Godsvill. – Nossa... Como você emagreceu. Lá em baixo deve ser péssimo, não é?

Me seguro para não enfiar um bisturi que está próximo de mim no meio do seu peito. Minha Mãe me ensinou que precisamos contar até dez e respirar fundo. Eu faço. Ela percebe.

— Você perdeu a fala também garotinha? – Sua voz é irritante.

— Não. – Respondo tentando manter calma sentando na maca.

Érika está diferente. Seu cabelo está mais escuro, ela está com um ar mais jovial. Confesso que ela possui uma beleza incomum. Ela usa um colar de pérolas negras. Está com um vestido justo e curto. O que ela quer conseguir com essa roupa?

— Você já sabe das regras. Daqui a pouco você irá para a área de cirurgia. Irão aplicar em você uma injeção que tornará você infértil. – Ela termina de falar e vai em direção à porta. Para, olha bem nos meus olhos e continua a falar. – E nada de furar o braço da médica. – Ela dá uma risada horrível e vai embora.

Não vou poder mais ter Filhos. Isso é definitivo. Não terei alguém para brincar e esconder esse mundo terrível. Essa tristeza e essa verdade me faz chorar. Começo a soluçar. Coloco as mãos em minha barriga. Eu não quero me tornar infértil. Que escolha foi essa que eu fiz? Estou arrependida.

Simplesmente estou aceitando o que Abraão quer. Menos crianças. Eu não consigo compreendê-lo, porque ele quer menos crianças? Porque ele mente a todos? Porque todos esses terrenos? Então me lembro de o que vim fazer aqui. Estou aqui fora porque zumbi não pode estar. Eu sou ele aqui fora.

A porta que está a minha direita se abre, e então eu limpo rapidamente as minhas lágrimas. Não posso demonstrar fraqueza. O local em que estou é bastante claro e possui muitas telas. Os médicos simplesmente tocam na tela e uma operação começa na pessoa ferida. Toca novamente e uma injeção é aplicada. Devo confiar nas máquinas? Da porta aberta sai uma garota com os olhos cheios de lágrimas e com as mãos na barriga, ela estava chorando. Uma enfermeira com rosto monótono leva a jovem que está chorando até uma maca e a deita. A enfermeira vem até mim.

— Vale? – Tess reconhece-me no mesmo instante e dá um sorriso.

— Eu estava no Esgoto. Decidi sair de lá.

— Cara, que terrível. Vem comigo, por favor. – Ela me ajuda levantar e vou com ela até a sala.

Ao entrar vejo diversos aparelhos nas paredes. Tess está segurando um Micropod. Estou acanhada e com medo. Minhas pernas estão tremendo, qualquer vento e eu caio

— Sente-se, por favor. – Ela me diz, e vai até a estante e pega uma seringa. Coloca a agulha e absorve de um pequeno pote um liquido azul escuro. – Você tem certeza? – Ela questiona.

— Não... – Então começo a lagrimar novamente. Não quero ser estéril.

Ela põe a seringa em cima de uma mesa e senta ao meu lado. Ela põe suas mãos por cima de mim e me abraça. Ela também demonstra tristeza pelo que está prestes a acontecer.

— Apenas chore... – Ela me diz.

— Chorar?

— O choro engana qualquer pessoa. – Então ela vai até a mesa. Pega a seringa e despeja o pequeno liquido em um ralo de uma pia. O que ela está fazendo?

— O que houve?

— Isso não é justo. – Ela diz, e está extremamente séria. Pega uma nova agulha e uma nova seringa. Está sem liquido. – Pelo menos temos que fingir, estenda seu braço. Por favor.

Então estendo meu braço, e a agulha metálica entra. A pontada é realmente dolorida. Mas estou radiante porque não há liquido algum em sua seringa.

— Ao sair, por favor, coopere. Chore, e finja dores no estomago. Não se preocupe. Você e qualquer outra garota que passar pelas minhas mãos estará salva.

— Obrigado! Muito obrigado! – Abraço-a muito forte.

— Guarde nosso segredo. Isso pode custar a minha vida.

— Eu guardo. – Prometo, e não consigo parar de sorrir.

Estou com as mãos em minha barriga. Finjo chorar. Finjo gemer. Tess está com uma feição de desinteressada. Ela é melhor atriz do que eu. Minto, e finjo que estou com dificuldades para sentar.

— Por favor, assine aqui. – Ela me entrega um papel e aponta com seus longos dedos a linha onde devo assinar: Vale Leão.

Ela pisca com o olho esquerdo para mim e vai embora. Engulo um sorriso. Um rapaz vestido de cinza se aproxima de mim.

— Vamos, preciso levar você até a palestra de Capturados. – Ele pega em meus braços e me sustenta. Ele é de pele escura, muito forte. Está usando um chapéu.

Vou andando com ele pelos corredores. Há televisões por todo o canto exibindo a programação que o Governo insiste em transmitir. Entramos em um elevador e rapidamente ele desliza para os lados. Esse elevador é de vidro, totalmente diferente de qualquer outro que eu entrei na Entidade. A porta se abre e estou em frente ao auditório.

Eles são recebidos por alguns jovens que foram Capturados junto comigo. Eles estão com roupas diferentes. Roupas cinzas e justas. Confio apenas em um deles. Nathan. Onde está Nathan? Preciso encontra-lo.

Vasculho todo o local com meu olhar disfarçadamente procurando Nathan. Ao passar pela porta do auditório posso me enxergar. Estou totalmente diferente. Meus cabelos estão compridos. Estou suja e com roupas rasgadas. Magra. Pálida. Não estou bonita.

— Você não trocou de roupas? – Me interroga uma garota magra e loira.

— Eu vim do Esgoto.

— Está explicado. Você não pode circular assim por ai, troque de roupa.

— Qual o meu quarto?

— O mesmo de antes de você ser presa.

— Eu sei onde fica.

— Então tome um banho e troque de roupa. Por favor, faça isso rápido a Recepção para Capturados vai iniciar em trinta minutos.

— Tudo bem. – Digo forçando um sorriso. Vou em direção ao elevador. Talvez eu encontre Nathan, me lembro de que ficamos no mesmo andar.

Estou em frente ao meu apartamento. A porta simplesmente abre com a minha presença. Tudo continua no mesmo lugar. Roupas. Mochilas. As coisas de Vivian. Não sou forte, então começo a chorar novamente.


FILHOS - [COMPLETA]Onde histórias criam vida. Descubra agora