Capítulo 15

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O dia vai seguindo cheio de tristeza e lamento. Não sei onde há mais tristeza, aqui dentro ou lá fora. Lá fora. Eu preciso ir lá, mas para isso preciso abrir mão de um futuro com Filhos.

Próximo ao elevador encontra-se um interfone para solicitações. Falando nele, eu posso conseguir alguns mantimentos, remédios, roupas, cobertores, eu também posso pedir para sair. Durante este tempo conheço Camila, uma garota de rosto redondo e cabelos finos. Ela se isola de todos e não se recorda de nada. Adrian me explica, que Camila foi a segunda pessoa a chegar aqui e que depois de um tempo esqueceu de seu passado, lembra apenas de seu nome.

Tento fazer amizade com Camila para ter distração, mas o elevador... Meus olhos não saem dele.

— O que você tanto olha para o elevador Vale? – Pergunta Zumbi com sua voz rouca e triste.

— Estou aguardando ansiosamente os remédios de Fred. – Minto, e em seguida desvio o olhar para Fred que está gemendo de dores.

— Acho que hoje ninguém irá conseguir jantar. – Ele diz, e aponta para as centenas de jovens tristes chorando pelo Esgoto.

Já estou mais calma. Porém um novo conflito nasceu dentro de mim. Eu preciso sair. Eu preciso ficar aqui.

O mesmo dilema quando eu estava presa em um sótão mofento. Ali a confusão e a solidão me dominavam. Minha cabeça às vezes queriam estar lá fora, e meu corpo aqui dentro, e vice-versa.

Saindo daqui, não sei se verei novamente Zumbi. Mas poderei confirmar se Alana e Mamãe estão bem. E se elas não estiverem? Não valeu a pena, pois fiquei sem ele. Será que ele me perdoaria?

Tento imaginar a situação de caos lá fora. O medo, e as horríveis imagens de tudo devastado. A Telectela deve estar exibindo para mostrar de exemplo aos desobedientes.

Algumas pessoas no Esgoto já começam a deitar e a dormir, talvez seja para fugir da verdade. Eu sempre fazia isso. Ótima ideia.

— Vou deitar-me. – Despeço-me de Zumbi com um beijo na testa e um abraço, e vou para o meu canto. – Tchau, boa noite.

Fecho os olhos e ele continua lá. Parado. Sem face. Com um cinto em suas mãos. Não há ninguém no Esgoto. Ele aproxima-se de mim com a velocidade de um cavalo.

Ele está mais forte e mais assustador. Ao tentar fugir, me dou conta que a parede do Esgoto está impedindo meu caminho, misteriosamente ela apareceu lá. Corro para o outro lado, e uma nova parede surge. Estou cercada. No outro lado, nas coisas de zumbi eu enxergo o taco. Sólido e pesado. Perfeito. Corro o mais rápido que posso e seguro o taco de beisebol.

Sem pensar duas vezes vou em direção de meu Pai. Estou disposta a agredi-lo. Com um golpe o derrubo no chão, e com o outro o pesadelo se passa. Sento e percebo que todos no Esgoto estão dormindo.

Estou suada e cansada. Provavelmente estou com olheiras profundas. Mesmo dormindo, todos possuem expressões tristes e depressivas.

Retiro de cima de mim o cobertor, e vou andando até as coisas de Zumbi. Vejo caixas e pastas empilhadas. Eu costumo dormir aqui perto delas, ao lado dele. Mas não sei por que hoje decidi não fazer isso, talvez eu precisasse de um tempo sozinha.

O local está frio, eu posso ver a neblina e algumas crianças estão tremendo de frio. Meu lábio está seco e tremendo. Mais um pouco e minhas lágrimas congelam. Retiro meu casaco rasgado, e sinto novamente a arma que peguei durante o teste de Vivian. Ela está lá. Fria e negra. Nas caixas posso ver os documentos que zumbi mostrou-me há algum tempo. Papeis e mais papeis. Dobro alguns e coloco em meus bolsos. Sinto que estou fazendo algo errado, mas não ligo.

Zumbi está descoberto. Ao pegar tudo que preciso, vou até ele e o cubro. Inicio uma admiração pelo seu rosto. Não vou toca-lo, pois não quero acorda-lo.

Suas orelhas são evidentes, seu nariz não é um dos mais bonitos. Sua pele é pálida, e seu cabelo desarrumado. Ele não é forte igual aos homens da Telectela. Mas isso não importa. O que vem de dentro dele me atrai. Dói em mim, ter que deixa-lo. Não posso sair sem prometer que voltarei.

Então novamente começo a chorar, e tento conter os meus soluços. Está tudo tão difícil.

''Não pense que é fácil. Mas eu preciso saber como está minha família, e há um único jeito de fazer isso. Espero que compreenda, não quero que penses que eu fui embora por sua causa, ou por causa de qualquer um daqui. Fui embora por causa de mim mesma, eu só ficarei com o espirito em paz quando eu descobrir se minha família está bem. Nesse momento que escrevo te observo dormindo. Espero que não estejas com pesadelo em mente, mas se tiver; chame-me. Deixa que eu mate seus demônios. Só me responda uma coisa, posso chama-lo quando eu precisar? Acho que a sua resposta é sim. Não se preocupe, eu ficarei bem, e estarei aqui novamente ao seu lado. ''

Vale.

Escrevo em um pedaço de papel velho com caneta azul. Dobro, e coloco próximo a Zumbi. Dou um beijo em sua testa, e vou em direção ao interfone.

Ele possui alguns botões em cores diversas. Meu dedo aperta em "Saída".

— Olá, central de solicitações da Entidade. Por favor, faça seu pedido. – Diz a voz masculina.

— Eu quero sair daqui.

— Não aguentou mais? — O garoto do outro lado ri — já sabe as consequências, não é? Nada de Filhos! – Sua voz me irrita.

— Sei, eu aceito. – Então ele diz que virão me buscar.

FILHOS - [COMPLETA]Onde histórias criam vida. Descubra agora