Capítulo 12

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Aiya começa a rir alto quando eu conto a ela o que Zumbi me contou. Lúcia e Kato tem a reação bem diferente dela.

— O responsável por aquele aperto lá fora não são as pessoas que estão se multiplicando. É Abraão o culpado. – Afirma Kato.

— Há espaço para todos. Essa é a verdade. — Quando Lúcia diz isso, Aiya mostra uma cara de assustada.

— Logo, ninguém deveria estar aqui. – Respiro fundo, tentando compreender tudo.

— Eu não acredito nessas coisas. – Diz Aiya ainda rindo.

— Aiya você não consegue compreender? Se aqueles documentos são reais, pessoas estão morrendo injustamente e jovens estão vindo até aqui. – Kato se mostra sem paciência com a irmã.

— Você acha que estamos em um filme Kato? Você está tentando me convencer que Abraão está fazendo tudo isso porque ele recebeu uma profecia? Você só pode estar de brincadeira.

— Eu sei, é bastante complicado de tentar acreditar nisso. Mas e se for verdade? – Reflito.

— Zumbi me falou que ele se sente culpado por nós estarmos aqui.

— Mas por quê? Por acaso foi ele que nos mandou para cá?

— Ele foi o primeiro a vir Lúcia. Ele se arriscou tentando descobrir os segredos do Pai e veio parar aqui.

— Por isso que ele é triste assim? – Comenta Aiya.

— É e ele precisa saber que ele não é culpado. – Digo. – Ele estava tentando fazer o bem. Se ele veio parar aqui com todos nós, a culpa é de seu Pai. Será que não temos mais liberdade para nada?

— Então diga isso para ele. Você é a pessoa certa. – Diz Kato.

— Infelizmente não podemos fazer nada aqui em baixo. Sinto-me frustrada. Se todos soubessem lá em cima o que Abraão anda fazendo, talvez as coisas fossem diferentes. – Então meus olhos se enchem de lágrimas e eu não me contenho.

Choro sentindo a dor de cada pessoa. De cada Capturado. De cada Filho. De cada preso. De cada Mãe. De cada Pai que realmente ama seu Filho. Lá fora não está fácil. Aqui dentro também não. Talvez a solução para isso tudo não esteja tão perto. Talvez nunca chegue.

Encosto minha cabeça nos ombros de Aiya e tento me acalmar. Percebo o quanto todos nós somos fracos. O quanto todos nós não podemos fazer nada. Lá em cima um exército de jovens que amam o legalismo está se formando. Sempre chegam mais. Homens importantes e poderosos lideram o exército.

Alguém esquelético e em minoria poderia fazer algo? Não.

— Nós precisamos ajudar Zumbi. Ele não pode levar o peso da culpa. Se estamos presos a culpa não é nossa. Vamos começar a resolver essa situação agora.

Eu enxugo as lágrimas com o casaco sujo e vou até zumbi. Ele está fazendo as suas anotações. E lendo atentamente os seus documentos.

Eu corro até ele. Ele escuta meus passos, olha para mim.

Eu subo em uma cadeira, pego uma panela e faço uma zoada. Todos agora estão prestando atenção em mim. É incrível como todos param o que estão fazendo olham para mim. Vejo Aiya com sua face de dúvida. Kato sorrindo, e Lúcia impressionada.

Eu inicio. Nunca falei em público. Estou nervosa, o que vou falar? Nem eu sei. Porém as palavras começam a ser vomitadas.

— Eu li isso em um livro. Não sei ditar exatamente como estava escrito, mas é parecido. A culpa dói. Carregar esse peso não é fácil. A nossa vida piora, se a culpa que carregamos não é de verdade nossa. — Respiro e calculo as palavras certas a dizer. — Adrian me contou hoje às maldades que seu Pai fazia. Ele tentou descobrir, e acabou vindo parar aqui. Ele foi o primeiro. Depois veio você, depois veio aquele ali, depois veio eu. Você não é culpado de vir parar aqui. Adrian não é culpado de vir parar aqui e nem de trazer todos para cá. Não somos culpados de usar a liberdade. Abraão é culpado! Ele nos priva e nos faz sofrer. A culpa é dele. Adrian entenda: se tem uma pessoa que merecia estar aqui era o seu Pai. Você não é o culpado. – Após gritar e apontar para Adrian, um silêncio visita o Esgoto. Todos ficam calados. E se olham seriamente. Aiya sai do meio da multidão e vai até Zumbi. Ela o abraça, e diz algo em seus ouvidos. Em seguida vejo Kato fazendo o mesmo, agora Lúcia. Atrás de Lúcia uma garota desconhecida por mim, e atrás da garota outra garota. A menina da cozinha também está indo lá. Todos estão formando uma fila.

Ao receber vários abraços Zumbi começa a chorar. Deixe o peso da culpa sair em forma de lágrimas.

O Zumbi que eu pensava que fosse se mostra frágil. Uma negra o abraça. Ele chora. Uma criança o abraça. Ele chora. Outra criança com tranças o abraça. Ele chora continuamente.

Talvez não recebesse abraços do seu Pai. Talvez fosse ignorando. Criou uma casca para se defender das pessoas. Agora a casca está sendo quebrada. Observo de longe e de perto ao mesmo tempo. Não esperava por isso. Ele não esperava por isso.

Entro no fim da fila. Depois da menina alta, sou eu. Estou chegando.

Ao chegar a sua frente, vejo seus olhos cheios de lágrimas. Seu rosto que já está inchado de tanto chorar. Ele está soluçando. Porque o chamam de zumbi? Olhando por esse lado não soa carinhoso. Ele é mais belo que um Zumbi. Ele nunca morreu. Inclusive está mais vivo depois dessa sessão de perdão.

Zumbi pega em minhas mãos. Estou suspirando. Preciso falar algo? Então ele me abraça. Diferente de todos. Ele me abraçou. Sinto lágrimas escorrendo em meu pescoço. Ele faz carinho em meus cabelos. Mamãe fazia isso.

O abraço passa. Estou sem graça. Envergonhada. Corada.

Ele pega com suas mãos magras em minha cintura. Aproxima seu rosto do meu. E diz obrigado. Eu nunca tinha ouvido isso antes. Borboletas em meu estomago? Não apenas isso. Um zoológico inteiro está dentro de mim.

Ele abraça-me novamente. Não falamos nada durante esse tempo. Não precisamos.

Ele me solta. Põe o meu cabelo atrás da orelha e dá um sorriso. Um grande sorriso. Eu limpo seu rosto. E retribuo o sorriso.

Não canso de olhar para ele. Essa simplicidade me atrai. Eu poderia ficar aqui.

— Você ainda se sente culpado? – Eu pergunto.

— Cara, a culpa é um demônio. – Ele responde.

— Então mate seus demônios. – Afirmo. Apertando suas mãos.

— Não preciso. – Zumbi dá uma pausa, suspira e conclui. — Não preciso porque você já matou. 

FILHOS - [COMPLETA]Onde histórias criam vida. Descubra agora