Capítulo sem título 35

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                              Melinda

-Você acha mesmo que isso vai dar certo?

Daniel e eu estamos parados em frente a uma casa grande e amarela que fica em um condomínio da nossa cidade.

-Eu não sei. Mas preciso tentar.

Digo tentando me concentrar. O que estou prestes a fazer vai exigir um grande esforço.

-beleza... Boa sorte!

Ele parece estar mais nervoso que eu.

-Obrigada, Daniel!

Sigo em direção a casa. Paro no meio do caminho e olho para trás, Daniel ainda está parado, nós viemos com um dos carros do seu pai. Ele faz um sinal para me encorajar. E eu sorrio para ele. Suspiro profundamente e continuo caminhando. A casa tem uma decoração meio monótona; alguns tons escuros misturados a tons claros. Poucos móveis e nada pessoal; como fotografias ou quadros. Uma casa praticamente sem identidade. Parece mais um hotel chique do que a casa de alguém. Acho esquisito que DJ more aqui. Essa casa não combina muito com ele. Subo as escadas e vejo um corredor bem iluminado. Ouço uma música tocando em um volume consideravelmente alto para o horário e sigo o som. Esse quarto sim tem personalidade. Não que eu goste do estilo dele, mas prefiro isso a estilo nenhum. Tem um papel de parede preto com vários desenhos imitando pichações e desenhos coloridos. A mobília é em sua maioria clara, o que faz um contraste legal. Em um canto tem uma mesa de escritório com um computador que parece bastante moderno e uma confortável cadeira giratória preta. Uma TV grande em uma das paredes está conectada ao seu Xbox e em frente há dois pufes grandes de cor preta no chão. Do lado oposto uma cama king. Alguns quadros nas paredes tem frases engraçadas e personagens de HQs. Na mesa noto uma coleção de miniaturas de carros antigos e um banner do último filme de Velozes e Furiosos. Percebo também que não tem nenhum quadro ou porta retrato familiar, apenas um porta retrato com ele e Daniel sorrindo enquanto andam de skate. DJ está deitado na cama. Me aproximo e noto que está terminando alguns trabalhos escolares. Tenho que por meu plano em prática. Chego perto da mesa e derrubo um de seus carrinhos. DJ da um pulo da cama. E eu dou risada. Ele levanta e junta o carrinho do chão, olhando em volta para em seguida olhar para o carrinho desconfiado. Retorna para sua cama. Depois de alguns minutos ele da um arroto enorme. Nojento. Espero mais alguns minutos e derrubo outro carrinho. Ele volta a se assustar e eu rio muito. Ele pula da cama e pega o carrinho na mão olhando para ele confuso. Ele parece assustado e verifica se a janela está trancada. Ele fica alguns minutos olhando para os carrinhos e depois olha em volta como se qualquer coisa pudesse aparecer e pular no seu pescoço. Estou rindo dele, mas de repente a porta do seu quarto que está entre aberta bate com tudo na parede.

-Diego!

Um homem alto, que aparenta ter em torno de 40 e poucos anos, entra batendo a porta e parecendo irritado. DJ arregala os olhos assustado. Olhando melhor para o homem noto que ele se parece muito com DJ, provavelmente é seu pai.

-Oi, pai!

-Você é burro garoto ou só está querendo me testar?!

O homem grita irritado.

-Não, pai!

DJ fala baixo.

-Não, o quê?!

O homem grita mais alto e sua voz é tão grossa que até eu já estou ficando com medo.

-Não, eu não sou burro e nem quero te testar.

DJ diz de cabeça baixa.

-Você sabe o quanto eu dou duro naquele banco para manter um cliente?!

DJ continua de cabeça baixa.

O homem caminha até ele e segura seu rosto fazendo o encarar.

-Eu não vou deixar, um bostinha de merda como você, estragar tudo por causa de uma briga de delinqüentes!

Ele fala friamente entre dentes.

Esse cara é um sádico.

-Eu espero que você resolva tudo com o André, se você quiser receber a sua mesada.

O homem está fuzilando o filho com os olhos, posso ver as veias de seu pescoço latejando de raiva. Mesmo quando meus pais estavam furiosos comigo nunca me trataram desse jeito, acho que até mesmo o pai da Laura a trata melhor. Pelo menos nunca o vi a tratar tão violentamente, é negligente, apenas.

-Sim, senhor!

DJ diz parecendo querer se livrar logo do pai.

O homem o solta e ajeita seu próprio paletó.

-Boa resposta!

Diz satisfeito e sai do quarto.

Ufa.

Não sei quem está mais aliviado, eu ou DJ.

A mãe dele deve viver num inferno com esse cara.

DJ senta se na cama resignado e triste.

Posso ver a dor em seus olhos. É até estranho, ver um cara que parece tão animado, e de tão boa auto-estima como ele nesse estado.

Depois de um tempo nesse estado melancólico DJ volta para seu estado normal. Ele parece não gostar muito de estudar e logo desiste, seguindo para se deitar no pufe e jogar vídeo game. Eu decido que está na hora de pegar mais pesado, não quero ter que passar a noite aqui. É entediante. Começo derrubando os carrinhos um por um e nisso DJ já pula do pufe e consigo ouvir seu coração batendo alto.

-Sai Azar!

Ele diz amedrontado.

Começa a arrumar os carrinhos no lugar.

Eu vou até um quadro e o derrubo no chão. DJ pula com o susto. Até que isso é divertido. Eu poderia virar uma assombração profissional, caso não voltasse para meu corpo. Não. Prefiro voltar para meu corpo. Eu preciso voltar.

-Melinda?!

DJ diz baixinho. Posso notar claramente o medo em seu tom de voz.

Um garoto com medo de mim.

Isso é sensacional.

Os garotos do colégio não têm medo de mim. Eles têm medo do André. E claro respeitam a hierarquia escolar.

Eu começo a derrubar os quadros um por um, enquanto ele olha apavorado, por fim derrubo o porta retrato dele com Daniel. Como uma dica. E ele a pega, já que logo em seguida ele liga para Daniel.

-Alô, cara eu acredito! Beleza!

DJ para e escuta.

-Tudo bem, eu aceito! Só faz isso parar.

Ele desliga o celular e olha em volta do quarto esperando silenciosamente por algo. Nada acontece. Então ele inspira e suspira lentamente tentando se acalmar. E eu sei que minha missão aqui está cumprida. Por isso fecho lentamente meus olhos e penso no quarto de Daniel. Mas para minha surpresa quando eu os abro continuo no quarto de DJ. Deve ser o cansaço. Eu me enfraqueci fazendo tanto esforço. Ainda bem que o Hospital não fica tão longe daqui e resolvo ir para lá até me recuperar. Aproveito o tempo para pensar em tudo que vem acontecendo. Eu ainda estou com uma sensação desconfortável em fazer mal para Beatriz novamente. Antigamente eu não hesitaria. Mas agora vejo tudo de outra forma. É estranho como as coisas mudaram tão rápido na minha vida. É até mesmo assustador. Como será quando eu acordar? O que eu vou me lembrar? Sinto-me angustiada só em pensar que poderei esquecer tudo e voltar a ser como antes.

No hospital parece tudo calmo. Meu corpo continua onde sempre esteve. Mas a minha alma já não parece a mesma. E sinto que isso é bom.

Uma Patricinha em minha vidaOnde histórias criam vida. Descubra agora