Capítulo I -

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Eu me chamo Lizlee Deskran. Nasci em Leeland, capital do Grande Lizma. E embora nunca tenha sido uma pessoa extraordinária, a minha história é uma pequena parte de uma história maior ainda.

Meu pai era um homem de negócios. Nossa família era proprietária de uma empresa que produzia e distribuía energia eólica. Por esse motivo, quase nunca nos víamos. Nossa convivência se resumia à alguns eventos especiais e, se tivéssemos sorte, quando um de nós adoecesse. Eu era órfão por parte materna e atribuía a este fato o motivo pelo qual meu pai acabou se distanciando de mim. Durante muito tempo eu realmente acreditava que ele só trabalhava muito para me dar o melhor – já que as atividades econômicas demoraram muito tempo para entrar em um eixo aceitável aos novos padrões pós-reconfiguração mundial e sofriam longas instabilidades de tempos em tempos – mas chegou um ponto em que eu tinha tudo e mesmo assim ele não parava. Então, eu entendi o que ele estava fazendo. Sua intenção era criar um abismo entre nós. Para conviver com isso, ao invés de procurar ajuda profissional eu criei uma teoria de que meu próprio pai evitava contato porque minha mãe escolhera se sacrificar para que eu nascesse e com isso acabou abrindo mão de estar com ele. Em outras palavras, eu achava que ela havia morrido durante meu parto, mas a verdade era outra.

  Enfim, eu inevitavelmente cresci. Foi uma vida solitária. Eu fui uma criança sem amigos e muito dedicada a impressionar quem quer que fosse – em geral, adultos – com minha polidez e educação, na maioria das ocasiões ocultando minha verdadeira posição sobre diversos assuntos. Até que, exatos dezessete anos que eu vim ao mundo, tudo mudou.

Dadas as circunstâncias dos meus progenitores, fui criada por uma espécie de tutora, a figura materna-paterna que me manteve viva. Ela sempre foi meio excêntrica e não havia nada no mundo que a fizesse desistir de me proteger contra tudo. Moggie me contou que fez uma promessa à minha mãe e que nunca a quebraria, por isso, só me restava aceitar estar sob supervisão vinte e quatro horas por dia. Não posso mentir, sou extremamente grata à Moggie, sem ela eu não estaria aqui. Sem ela eu com certeza não saberia fazer coisas mais básicas. O fato é que, Moggie esteve presente em todas horas que preencheram meus dias, em todos os dias da minha vida até aquele momento. Mas ter uma tutora não era o mesmo que ter uma mãe. Moggie não era bem uma pessoa estável em questões emocionais e eu nunca soube porquê, mas naquela data ela estava especialmente agitada. Diria até que estava incomodada com algo. Poderia ser pelas empresas de meu pai voltando a crescer após uma grande recessão ou por ter sido incumbida de organizar uma grande festa dada para comemorar este salto positivo.

A casa inteira estava um burburinho que só. Moggie indo de um lado para o outro mandando costureiras me apertarem e me fincarem com suas agulhas habilidosas enquanto, na cozinha, chefe Bernardeau coordenava a equipe que preparava um jantar “espantosamente esplêndido” – palavras dele mesmo. Por todos os lados na casa só se falava disso. Parecia que todos se esqueceram que dia era aquele. Eu não tinha a pretensão de ser o centro das atenções mas todos os meus aniversários eram assim. Eu os passava lamentando a morte da minha mãe que sequer cheguei a conhecer ou dividindo com outras coisas que meu pai inventava de marcar. Queria pelo menos uma vez ter a oportunidade de comemorar mais um ano de vida. Entretanto, eu aceitava o que me davam e acabava sempre no mesmo lugar. O jazigo da família ficava dentro da propriedade, mas devido ao jantar ainda não havia tido tempo de visitar. Sentada em frente ao espelho penteando meus longos fios cor de fogo, me encontrei perdida nesses pensamentos. De repente, o ranger da porta me desconcentrou.

— Senhorita.

— Moggie! — Me viro em sua direção, ainda sentada. — Olha, se for me dar um sermão, as costureiras que saíram por conta própria, eu juro que não as espantei dessa vez...

— Não. Eu mandei elas saírem. — Completou a mulher com o cabelo um pouco desgrenhado, o que era estranho pois sempre estava impecável em seus penteados. — Precisava conversar a sós com você.

Legado e AscensãoOnde histórias criam vida. Descubra agora