Capítulo VIX -

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E por incrível que pareça, eu não morri.

Rolei alguns metros, me arranhei inteira, talvez tenha deslocado alguns ossos, mas ainda estava viva. Ao me levantar, minhas pernas tremeram, porém ainda estava ao alcance do inimigo e por isso tive que continuar, ignorando todo o desconforto e dor. Regressei como uma mendiga. Minhas roupas estavam sujas e rasgadas – ou pelo menos mais rasgadas do que antes de eu sair – meu cabelo desgrenhado e cheio de poeira, arranhões em toda pele e vários hematomas, inclusive os das algemas. O sol já mostrava seus primeiros raios quando coloquei meus pés em casa outra vez. Empurrei a porta bem devagar, ela se abriu sozinha – cansada como estava, nem conferi importância a este fato. Só me dei conta da gravidade da situação, quando vi tio James na sala de estar, sentado em uma poltrona, vestido com um roupão e dormindo. Ele devia ter o sono muito leve, pois acordou mau meus pés ruíram contra o chão.

— Lizlee? — Ele olhou na direção da porta bem desperto, como se nem tivesse caído no sono apenas esperando o momento em que eu entraria.

— Onde você estava? Olhe o seu estado.

Balancei a cabeça negativamente e o abracei.

— Não me faça falar sobre isso.

Não que eu esperasse sua compreensão, afinal eu o desobedeci – então fiquei surpresa por ele não insistir mais e me deixar abraçá-lo. Aos poucos, me soltei dele e subi para o quarto, me atirando na cama e dormindo instantaneamente. Tinha sido uma noite longa. Meu sono fora entrecortado por flashes dos acontecimentos anteriores. Como as pessoas conseguiam se submeter à um governo tão opressor tal como aquele? O que aconteceu para que a Cúpula não intervisse e anexasse também este território ao Grande Lizma? Por que me consideravam uma ameaça a ser eliminada?

Mais tarde, já acordada, me olhei no espelho e notei minuciosamente cada machucado ou hematoma. Nada fácil fingir que não aconteceu. Em seguida, enchi a banheira com água morna e me deixei submergir, buscando apenas relaxar e quem sabe esquecer o que se passou. Mas eu estava errada. Relaxar não era uma opção. Prova disso foi que, no meio do banho, tive uma visão. Nela eu estava me afogando no mar e de repente, alguém surgia para me tirar de dentro da água. Eu apenas sentia frio e uma dor profunda até ser levada para a beira da praia. Abria os olhos e apenas a luz do sol inundava minha visão. Quando os olhos se acostumavam com a luminosidade e o contraste enfim dava contorno a paisagem, me sentia puxada para fora da visão. Minha tutora, espantada ao me ver totalmente imóvel na banheira, gritou meu nome e colocou minha cabeça para fora da água sacudindo meu corpo com preocupação.

— Meu Deus! O que você está fazendo? 

— Apenas tomando um banho.

— Você quase me mata de susto. — Ela se debruçou sobre a banheira e me deu um forte abraço, molhando a sua camisa de botões preferida. — Eu orei tanto para que estivesse bem e voltasse para nós.

— Também senti a sua falta. — Disse, ainda que um pouco constrangida pela nudez.

— Seu tio já me avisou que você não quer ser questionada sobre o que aconteceu. Mesmo assim, estou aqui. Por você.

Mordi os lábios e soprei a espuma dos meus braços, me preparando para sair da banheira. Não dava para relaxar assim. Embora fosse realmente louvável que estivesse se esforçando para não ser invasiva, o que deveria ser bem difícil para ela.

— Você nos deixou preocupados.

— Eu sei. Me desculpe.

Moggie pegou uma toalha e me enrolou, depois com outra enrolou meu cabelo. Saí da banheira e fui conduzida por ela à penteadeira. Minha tutora tomou todo o cuidado em se sentar atrás de mim, e como quando eu ainda era bem pequena, penteou meus longos e ondulados cabelos ruivos. Ela cantarolava a antiga canção que eu escutava para dormir durante a infância. Uma canção que me recordava momentos bons e por isso meus olhos se encheram de lágrimas. Era bom saber que eu ainda guardava aquelas memórias, entretanto, era ruim saber que tudo acabou daquela trágica maneira.

Legado e AscensãoOnde histórias criam vida. Descubra agora