Capítulo XXXVI -

211 140 53
                                    

— O que fazem aqui embaixo? Não deveria estar na inspeção, Zorr?

Célia colocou as mãos na cintura expressivamente dando um sermão ao menino. Respirei aliviada por ver que era apenas ela e não seu marido, mesmo que ainda não tivesse certeza do que esperar.

- Tive uma crise de ansiedade e a bondosa Lizlee me trouxe para tomar um ar.

O garoto mentiu para nos livrar dela, ao que eu confirmei com um aceno de cabeça esperando que alcançássemos êxito nisto.

- Tudo bem - a mulher retrucou com certa desconfiança. - Então voltem logo, aqui não há nada para verem.

Dei meia-volta com a cadeira de rodas e acenei novamente, assentindo. Porém, senti que ela escondia algo.

- Esperem! - Parei instantaneamente. - Isto é para o seu irmão - Célia entregou em minhas mãos uma bombinha e uma caixa com um medicamento. - Deveria ter nos dito que Otávio tem asma.

- Ah, obrigada.

Agradeci depois de um tempo sem saber bem o que dizer, pois eu realmente não fazia ideia.

- E da próxima vez você pode não ter tanta sorte quando estiver bisbilhotando - ela disse enquanto prendia meu pulso com firmeza.
- Guers não são bem vistos aqui.

- Espero que isso mude, já que a sua filha agora também é uma.

Respondi, puxando meu braço com força para perto do meu corpo. Coloquei as coisas no bolso e tomei o controle da cadeira de rodas outra vez, dando-lhe as costas.

- Eu fui a primeira a pedir que aceitassem você e seus irmãos que também são guers, então não ultrapasse os limites.

Não me dei ao trabalho de responder e nem de virar para olhá-la, apenas empurrei Zorr de volta pelos corredores até o refeitório onde paramos para tomar café.

Foi quando Kell apareceu bem preocupado e me olhou de longe com uma cara feia que eu não soube decodificar o que significaria.

- Zorr, onde você estava? Todos estavam te procurando.

- Bom dia pra você também, Kell.

Estendi a ele uma mão oferecendo o copo com a bebida, enquanto pegava um outro para mim.

- Olá, Lize. - Franzi o cenho e ele se virou dirigindo a palavra ao menino, ignorando a mim. - Mas então, vamos?

- Ele vai ficar aqui.

Cruzei os braços e ergui a cabeça, respondendo antes que Zorr tivesse tempo de fazê-lo. Kell se voltou de frente para mim, chegando tão perto que deu para sentir quando ele bufou de insatisfação.

- O que você disse?

- Não vê que o garoto se sente sufocado com o quanto vocês ficam superprotegendo ou inibindo as vontades dele?

Retruquei sem me deixar intimidar com o olhar de raiva dele. Parecia que tinha acabado de cutucar uma fera.

- Você é quem não vê. Ele está cheio de limitações.

- Eu consigo enxergar bem mais limitações em você.

Dei mais um passo e fiquei o encarando como se o convidasse a dar o outro. Ao contrário do que imaginei, ele recuou.

- Você está certa - Kell ergueu as mãos se redendo. - Tudo bem, vai lá e encha-o de esperanças com seu discurso de que ele pode fazer coisas incríveis como qualquer outra pessoa.

Pisquei algumas vezes sem entender. Tentei dizer algo, mas estava incrédula demais para isso.

- Faça-o acreditar. Faça-o querer o mundo e depois tire isso dele. Eu sei que você vai conseguir deitar sua bela cabecinha rica e mimada num travesseiro à noite, sem se importar em ter magoado esse garoto, mas eu... por Deus, eu não conseguiria.

Legado e AscensãoOnde histórias criam vida. Descubra agora