Capítulo XVI -

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  Depois de me tornar mais uma aquisição da Regência do Fogo, soube que cometera um crime contra uma parte de mim mesma. Eu assassinei minha dignidade. Eirie estava delirando se achava que eu me rebaixaria a acatar suas ordens e aguentar as suas exigências sem questionar. Ele não conhecia Lizlee Deskran se pensava que havia me derrotado nessa. Eu poderia fingir por um tempo até a poeira baixar, mas não para sempre. Na verdade, além da minha dignidade que tanto tentei manter até mesmo ficando com fome e sede na floresta, o pior era ver que o olhar de Phil sobre mim começou a mudar. Acho que ele estava bravo e eu não entendia bem seus motivos, afinal eu tentei impedir seu fim. Ele deveria estar desapontado com Eirie e não comigo. Embora, se tivesse simplesmente ficado quieta e não me colocado entre os dois estaria arrependida também, em todo o caso fui eu a que mais saiu perdendo. Ele passou um tempo me ignorando e Eirie, bom, ele continuou fazendo o mesmo que já fazia. Decidi o quanto antes tentar resolver as coisas, dois inimigos seria demais para enfrentar.

— Viu o que você fez, Eirie?

Levantei os olhos da minha refeição e o encarei enquanto ele ainda girava seu peixe fincado numa estaca dourando-o no fogo de uma fogueira improvisada com galhos secos. Ele respondeu sem dar muita importância e nem olhar para mim.

— Eu fiz?

— Sim, você conseguiu o que queria. 

— Ainda não. Estou longe de conseguir o que quero. — Dizendo isso, abriu um sorriso malicioso nos lábios. — Felizmente, uma vez que os Guardiões forem abatidos, poderei me livrar do problema que arranjei desde que aceitei essa missão de te rastrear e capturar.

— Eu sei muito bem o que você quer e imagino que não veja limites para conseguir. Já provou ser desprezível, mas arriscar a cabeça do seu próprio amigo... é baixo demais, até pra você.

 Cuspi as palavras com desprezo pela sua atitude e me levantei. Ainda de costas para ele, o ouvi me rebater.

— Sabe o problema de causas como as nossas? Muitos arriscam pouco ou quase nada. Apenas alguns tem a coragem de arriscar tudo o que tem.

  E mais uma vez suas emoções ficaram indefinidas, virei novamente de frente para ele e juro que só estava me segurando para não agredi-lo pois desconfiava que esse tipo de reação ia afastar Phil ainda mais.

— Por esse motivo eu fico espantada de alguém como o Philip ser seu amigo. O que você merece é terminar vazio e sozinho.

— Você acha que eu me importo com isso? Depois de um tempo você se acostuma com a solidão, além disso, estarei banhado em glórias do que me importa o resto?

  Novamente, eu não soube lidar com a sua insensibilidade e apenas dei as costas. Corri, ou melhor, tentei correr para alcançar Phil que caminhava à beira do mar.

— Philip! Philip! — Ele estava de costas para mim fingindo que não me ouvia, pois sabia que estava apenas me evitando. — Philip, por favor!

— Pois não, senhorita?

 O garoto parou e se colocou em posição de saudação.

— Não me chame de senhorita.

— Agora só estou te tratando corretamente, embora aguarde a determinação da sua posição para tratá-la de acordo com o que manda a hierarquia.

  Aquelas palavras foram como um chute em meu estômago.

— Não diga isso, eu sou igual a você. Um título, ou seja lá o que isso for, não pode estar acima de uma amizade.

— Não, Lizlee. Você não é e nem nunca foi igual a mim. Muito antes de ser da Guarda você já era muito mais do que eu... era a Guer-Matriz, a escolhida das nossas Divindades.

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