Capítulo XXIV -

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Estava retornando tranquila para a casa depois da minha corrida matinal pela orla que se estendia ao redor do lago quando me deparei com algo inusitado. Eirie estava sentado no telhado. Sim, no telhado. Franzi o cenho ao chegar na frente da casa e olhei para cima.

— O que está fazendo aí?

— Suba aqui.

Ele fez um movimento com o dedo indicador, simulando um redemoinho. Como se eu fosse mesmo me arriscar dessa forma. Balancei a cabeça em negação e senti falta do peso do meu cabelo que agora estava tão leve e vazio. Não seria essa a palavra certa para o que queria expressar...

Hum, estou tentando variar um pouco, sabe? Parecer normal e me misturar aos cidadãos nativos dessa cidade...  

O garoto estalou a língua e deu de ombros, percebendo que eu estava novamente ironizando com as suas próprias palavras sobre eu precisar me tornar uma lanoviense.

— É uma enorme coincidência! Parece que já ouvi um cara dizer algo parecido. Se bem que as palavras soaram melhor quando pronunciadas por ele.

— Acho pouco provável.

Ele riu lá de cima e foi mais em direção à ponta, um frio súbito me tomou por completo mas passou logo quando Eirie se sentou tranquilamente.

— Você vai vir ou não?

Estufei um pouco o peito, entrei na casa e fiz o que uma pessoa normal faria. Subi para o segundo andar e cheguei ao sótão, passei somente as duas pernas ficando sentada pela janelinha que dava para o telhado, porém quando olhei para baixo o medo me atingiu com força. Minhas pernas travaram.

— Sabe de uma coisa? Acho que aqui está de bom tamanho.

— Deixa de ser medrosa.

Ao virar e colocar o primeiro pé de volta para o lado de dentro da janela, senti-me ser enlaçada pela cintura e erguida. Imagino que o meu cérebro tenha entendido que eu estava caindo, uma vez que não conseguia abrir os olhos e comecei a gritar desesperadamente. As tentativas de Eirie de me acalmar em meio à sua risada sonora chegaram aos meus ouvidos, felizmente eu estava segura nos braços dele e novamente próximos demais. Fingi demência em relação à cena histérica que acabei de protagonizar e esmurrei seu peito só para descontar o susto que me fizera passar e ainda estar zombando disso. Quando o riso dele cessou e ouvi somente o som e o calor de sua respiração, me desvencilhei de suas mãos e com muito cuidado sobre as telhas úmidas com neve. Ele veio logo depois.

— Chamei você aqui pois observei uma movimentação estranha.

— Onde?

Ele apontou na direção das montanhas de Safira que ficavam a leste atravessando o lago. Acompanhei tudo o que ele dizia, com bastante atenção. Ele achava que quem nos espionava estava lá, se fosse alguém de Lanóvia já teria nos delatado. Decidimos averiguar esta pista mesmo que fosse apenas para descartar a possibilidade.

  Com o inverno, quase ninguém ia mais naquela parte do lago que era considerada a mais perigosa, consequentemente, encontramos apenas um único pequeno barco amarrado num toco de madeira às margens do lago e quase coberto pela neve. Nós nos arriscamos andar sob o gelo que àquela altura da estação já deveria estar firme e engrossado.

Por vezes aquele caminho branco e frio estalava abaixo dos nossos pés. Eirie não parecia se importar muito com a temperatura ao redor, sequer se vestia adequadamente para enfrentar aquele clima. Ao contrário, eu estava agasalhada até demais e com bastante provisão, cobertores e mais agasalhos. Queria levar um saco de dormir mas não tínhamos um. Depois de passarmos o lago, fomos por terra. Gastamos parte da comida que trouxemos já no primeiro dia e precisamos nos abrigar em uma caverna na pedra. Não parecia ser um caminho tão longo quando olhamos do telhado. Seria uma ilusão?

Legado e AscensãoOnde histórias criam vida. Descubra agora