Capítulo XXXI -

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- Pode abrir os olhos.

Afaguei os cabelos castanhos e ondulados de Otávio, instruindo-o. Ele, que fazia um esforço enorme em mantê-los bem fechados e não se mover em qualquer direção antes de eu dizer, encheu-se de coragem e os abriu, ficando deslumbrado ao ver neve caindo ao seu redor. Sua surpresa e admiração foram tão escancaradas que me levaram a deduzir que o garoto nunca tenha tido contato com ela.

Após um breve momento estático e sorridente, Otávio tremeu de frio e voltou a ficar sério. Vendo isso, Eirie lançou um olhar indagativo em minha direção.

- Tem alguma ideia de onde estamos? - Perguntou.

- Não. Mas se seguirmos para o Norte... - Apontei em alguma direção e antes de terminar, Otávio atravessou minha fala com a sua.

- Você está apontando para o Leste. - Impaciente, cruzou os braços e bufou. - Não acredito que fui sequestrado por dois idiotas. E pra piorar estou morrendo de frio! Onde estão minha mãe e meu irmão?

- Seu ingrato. O Palácio estava sendo tomado, sabe o que isso significa?

Eirie o repreendeu. Ele fez que sim e desviou o olhar, descontente com sua situação.

- Então vê se demonstra um pouco mais de gratidão por termos te tirado a tempo. Menino mimado. - Eirie quase vociferou para o garoto que arregalou os olhos e saltou para trás, em defensiva.

- Chega! Não podemos perder tempo. Temos de chegar na Zona 6. - alertei aos dois garotos.

- Sei onde fica. Vamos antes que esse frio nos congele.

E terminando de retirar a neve acumulada em suas roupas, o garoto partiu. Segui seus passos e mantive o foco no caminho.

Pelos meus imprecisos cálculos a caminhada até Arruinada duraria cerca de 30 a 35 minutos, mas com a neve alta em alguns pontos atuando como um obstáculo, acabamos demorando cerca de 50 minutos. Fizemos o trajeto quase inteiro em silêncio, exceto quando estávamos bem perto dos muros e os meus companheiros de viagem começaram a trocar infantis farpas. Não dei atenção ao que diziam e acabei me destacando dos garotos para chegar aos portões primeiro.

Haviam ainda alguns poucos metros a cobrir quando notei algo errado, quase como uma vibração estranha no ar. Não se ouvia um som sequer - considerando que ali residiam pessoas. E além do mais, a estrutura das paredes altas e metálicas, assim como a portal de entrada, apresentavam-se retorcidas e arrombadas. Isso fez com que eu desesperadamente lançasse meu corpo pela entrada, de maneira abrupta, sem pensar duas vezes. Se esta fosse uma emboscada, seria o meu fim. Mas não era.

Um vento gélido perpassou meu corpo, evocando uma memória ruim. Uma memória de morte. A energia ali era pesada e terrivelmente me revirava as entranhas. Congelei em meu lugar diante da visão e assim permaneci por um bom tempo; com os olhos arregalados, a respiração entrecortada e os músculos da face expressando o choque. O meu coração batendo como um tambor em meu peito. E angústia invadiu meu ser.

O sangue se distinguia da neve branca e da fuligem, numa confusão de corpos estirados pelo chão. E eles estavam por todos os lados na avenida principal. Meus pensamentos se confundiam com outras imagens dolorosas que eu não conseguia processar muito bem. Minhas pernas não aguentaram meu peso e caí de joelhos no chão. Mas não desejei cobrir meus olhos ou talvez só não pudesse cobri-los.

Senti uma mão tocar meu ombro. Não olhei na direção de onde partira o gesto. Meus olhos se fixavam no véu cinzento invisível que a áurea de morte deixava no ar. Eu nunca havia visto algo desse tipo e simplesmente paralisei. Não fosse Eirie se aproximar e parar exatamente na minha frente, com seu calor dissipando parte do frio que eu sentia - mas não o suficiente - certamente permaneceríamos ali. Ele precisou se abaixar ao meu nível e envolver-me num abraço apertado, para que eu enfim esboçasse alguma reação. Aquilo fez com que me sentisse uma represa estourando e em soluços me permiti transbordar através das lágrimas.

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