Capítulo XXX -

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Ciente de que poderia ter novamente ido parar no lugar errado, escondi o colar nos bolsos – protegendo-o de possíveis novas situações desagradáveis. Respirei profundamente e expirei, devagar. Era a hora da verdade. Mas antes que eu viesse a sabê-la e sem que precisasse fazer grande esforço, senti um aroma, deliciosamente diferente, inundar minhas narinas. Comida. Impulsionada pelo instinto, abri os olhos. Todos no recinto estavam parados olhando para mim. Percebi pelo cheiro, pelos utensílios e pessoas com aventais, que eu estava em uma cozinha. Pisquei algumas vezes, pensando no que fazer e com toda a minha desenvoltura em sair de situações embaraçosas, apenas os cumprimentei com um sorriso e um "bom dia", para depois sair correndo pela primeira porta que encontrasse. Mas é claro, não sem antes trombar em um armário e derrubar algumas panelas dependuras corretamente em uma sequência, da maior para a menor, em seus devidos lugares. Senti que minhas bochechas foram enrubescendo de vergonha. Tentei pedir desculpas e todavia, foi em vão. Retirei-me o mais depressa que pude.

Deixando aquela enorme cozinha cheia de gente e tomando o corredor à esquerda, minha visão periférica pareceu reconhecer uma pessoa. Parei para observar e constatei que não estava enganada. A figura conhecida fez um sorriso brotar em meus lábios. Era Maya. Ela também me viu ao longe e acenou. Tentei caminhar até ela para abraçá-la, quando senti uma mão fria me segurar pelos ombros e jogar um tecido escuro sobre a minha cabeça. Relutei e empurrei, quem quer que fosse, contra a parede. Retirei o tecido e o joguei ao chão, meus braços já escorriam feixes de água, preparando-se para atacar ao meu comando. Saltei para trás em posição e só então, respirei aliviada ao notar que era Philip.

- Meu Deus, você queria me matar de susto?

- Pelas decisões que você toma, não é de susto que vai morrer.

Ele retrucou num tom de sermão. Revirei os olhos e cruzei os braços em seguida. E jogando o pano novamente sobre a minha cabeça, ele indagou.

- O que você veio fazer aqui?

- Preciso encontrar Eirie. E parece que vim ao lugar certo. - Inclinei um pouco a cabeça e observei a movimentação.

- Tem uma festa e não me convidaram?

Completei com ironia e certa arrogância.

- Você está em Monigram! O motivo mais amigável para o qual o Regente aceitaria sua presença aqui no Palácio, seria pra te servirem num banquete como o prato principal.

Fingi que não me importei com a afirmação, mas um calafrio percorreu minha espinha e tomou outras direções, ganhando todo meu corpo. Seria medo? Se fosse, eu não tinha tempo pra descobrir. Phil não olhou para mim desde que o disse e continuou andando como se eu nem estivesse ali, cumprimentando diversas pessoas sem perder a postura ereta. Eu engolia aquele sentimento ruim que perpassava minha pele e revirava meu estômago, enquanto me encolhia debaixo do pano. O simples pensamento de ser descoberta já era capaz de fazer com que minhas pernas caminhassem no automático, empurrando-me para frente a qualquer custo. Elas tremiam só de imaginar dar de cara com o regente pelos corredores.

Phil conduziu-me até uma sala vazia com, belos e bem polidos, móveis de madeira; as estantes estavam repletas de livros e objetos com formas abstratas - que talvez tivessem algum significado para seus donos; as vidraças deixavam entrar os últimos raios do sol poente que ainda aqueciam a sala e possibilitava-lhe que ostentasse seu luxo e beleza. O garoto trancou a porta logo atrás de si e me puxou para seus braços, envolvendo-me com seu corpo como se quisesse me proteger. Surpresa com aquele repentino gesto, - mas não tanto, já que ele vinha de Phil - encostei minha cabeça em seu peito e correspondi ao ato.

- Eu senti muito a sua falta! - Sua voz saiu afável, seguida por um beijo que ele depositou entre aquele tecido surrado que me cobria a cabeça e a pele desnuda de minha testa.

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