Capítulo XXXII -

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[...]

E terminando de contar, com detalhes, tudo o que havia acontecido em sua ausência, me recostei na poltrona, fechei os olhos e suspirei, prolongando o tempo de refletir se havia algo ainda que dizer-lhe.

- E porque você não fugiu?

Movimentei a cabeça o mais devagar que podia, experimentando um pouco da revolução de sentimentos aquele questionamento causara em mim. Percebi que, mesmo depois de todas as vezes que anulei minhas vontades para manter a segurança de outros, esperando ouvir pelo menos um "muito obrigada por não nos abandonar" ou algo do tipo, ali estava eu... esperando reconhecimento por minha atitude. Mas, pelo contrário, tudo que recebi foi um tapa na cara. "Cuidado com as palavras. Elas refletem o tipo de coisa que você faria quando perdesse o controle. Escolha-as bem.", meu pai disse uma vez e agora elas ecoavam em minha cabeça. Eu conseguia sentir até o cheiro do whisky impregnando em suas roupas. Nós havíamos acabado de discutir mais uma vez, por que ele chegou em casa de madrugada, completamente sujo e embriagado. Fiquei com raiva dele. Disse tudo o que devia e o que não devia também. Para mim tudo aquilo que ele dizia não passava de resmungos de um bêbado e nunca havia parado para pensar nelas até ter, em minha frente, um exemplo vivo do que achava que elas significavam.

- Para onde eu fugiria a esta altura? - respondi com uma pergunta.

- Ora, não sei. Para sua casa, talvez. Ou para algum lugar onde ficasse segura.

Gargalhei, seca. Incomodado com minha reação, Eirie consertou a postura na cama para me olhar direito.

- Qual é a graça?

- Minha casa sou eu! E no momento, sou o lugar mais seguro do mundo.

Desviei o olhar sem ter tempo de notar a expressão que o garoto esboçara e recebi seu silêncio.

- Pois bem, só vim aqui avisar que talvez venham te interrogar e seria bom que nada soubessem sobre sua ligação com as Regências e muito menos sobre Otávio. Não coloque tudo a perder.

Exclamei após algum tempo, enquanto me ocupava em observar o soro, que descia pelo cano e penetrava nele por via intravenosa, estava sendo administrado. Dei uns petelecos.

- Que venham! Estarei preparado. - exclamou, decidido e estufando o peito.

- Eles vão destrinchar você. E se tudo der errado, provavelmente, irão me destrinchar também.

Constatei, ficando ligeiramente incomodada com os meus próprios, e literais, pensamentos. Os espantei rapidamente. Inclinei-me um pouco até estar olhando em seus olhos.

- Não deixe seu heroísmo, ego ou descontrole destruir tudo dessa vez. Caso não consiga, apenas fique calado e me chame. Agora eu preciso encontrar o Otávio e me certificar de que ele não gritou aos sete ventos que é "Filho do Regente".

Me dirigi a saída, no entanto, fui barrada na porta pela repentina aparição de Alexandra.

- Se o garoto tivesse falado tal coisa, nós já deveríamos estar fugindo. Não é mesmo, Eirie?

Com um dois passos largos para trás, afastei-me da saída e retornei ao pé do leito. Olhei para Eirie esperando confirmação sem desviar a atenção de Alexandra.

- Não. Philip deve ter avisado que eu executava Eikos. Eles não acreditariam se lhes fosse solicitada uma negociação.

- O que é "Eikos"? - Interroguei, falando entre os dentes. Alexandra cruzos braços e apontou Eirie com a cabeça. Olhei para ele.

- Eikos era irmão mais novo do Regente. Hoje esse nome é de uma manobra de retirada, geralmente envolvendo a fuga de membros da família regencial. Recebeu esse nome por que na invasão de Groëta, a antiga sede da Regência, ele conseguiu retirar todos os membros de sua família, salvando-os e dando continuidade à Dinastia Zvatrze. Infelizmente Eikos morreu no processo e não pôde presenciar a ascensão da Regência após esses acontecimentos.

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