Capítulo XXIX -

205 154 169
                                    

Foi como num piscar de olhos, embora não tenho certeza de que em tão pouco tempo uma mudança assim pudesse ter sido feita. Quando os abri, as flores haviam desaparecido e tudo ficara escuro. Tão escuro que eu mal podia enxergar. Tentei acender minhas chamas mas constatei, com desespero, que meus poderes não funcionavam aqui, seja lá onde for "aqui". Tentei por mais algum tempo até ter absoluta certeza que não conseguiria e lembrei do colar, que era a minha única ponte de volta ao mundo físico. Tateei o chão a minha volta procurando-o, buscando a chance de fuga dessa escuridão, porém sem muito sucesso. Bufei e pus me sentada, desistindo.

Onde eu estava e como vim parar aqui? Este foi o primeiro pensamento a rondar minha mente, seguido por um estremecimento e outros pensamentos, um pior do que o anterior: e se eu não voltasse a tempo de salvar a vida de Robertta? Se eu não voltasse a tempo de impedir a extinção da raça guer? E se eu não conseguisse voltar para casa, nunca mais?

Tudo bem, poderia ser um pouco de exagero da minha parte, pensei. Mas até que o meio do breu era um bom lugar para me esconder... ninguém me encontraria. Seria bom ficar por um tempo, tirando o fato de eu nem saber por onde começar a procurar uma saída e se eu não estivesse desesperada pensando em tudo que poderia acontecer lá fora enquanto estou aqui sentada me odiando por ser tão estúpida e impulsiva. Afinal, que ideia patética fora aquela de roubar o colar sem nem saber usar?

Dobrei as pernas para abraçá-las e quem sabe sentir-me um pouco protegida. Contudo, isso não seria suficiente, por isso arregalei os olhos, ficando bem alerta. Esperando. Não sei exatamente o que esperava, mas precisava estar preparada. O silêncio reinou por longos minutos. Angustiantes minutos. Até que um barulho repentino fez meu coração saltar no peito. Foi quando uma pequena abertura, com formato semelhante ao de uma janela, apareceu na parte de cima à alguns metros a frente de onde eu estava e um pouco de luz entrou por ela. A impressão que tive foi de que meus pesadelos estavam se tornando reais, pois este lugar, especificamente, me pareceu familiar e a energia pesada fez meus pelos arrepiarem. Um vento muito forte fez a "janela" se trancar numa batida só e tudo voltou a ficar escuro. Franzi o cenho. Algo estava errado.

- T-tem alguém a-aqui?

Precisei reunir tanta força interna pra emitir essa frase, que acabei ficando ofegante. Como se fosse a primeira vez que falei em toda minha vida. Bem ao longe, consegui avistar um pequeno ponto de luz piscando e me esforcei mais em descobrir do que se tratava.

- Quem é você?

Gritei na direção do vácuo e da luz estranha. Nada de resposta. Mas ela aumentava com o tempo, o que indicava aproximação. Esperei que chegasse até mim, suplicante por um resgaste que eu fantasiava mentalmente. De repente uma pequena gota atingiu minha testa, escorregando preguiçosamente por ela, em direção ao meu nariz. A escuridão não me permitia ver exatamente de onde, no entanto, elas continuaram caindo.

- Você gosta da sensação de derramar o sangue de inocentes?

Uma voz estridente que eu não reconhecia, encheu os espaços ao meu redor. Assustada, olhei para todas as direções. Estremeci outra vez.

- Q-quem é você e por que diz isso? - gaguejei.

- Você sabe muito bem a que me refiro. Ou melhor, a quem. E também sabe, no seu íntimo, que muitas outras pessoas ainda morrerão por sua causa.

Levantei bruscamente e olhei para cima, confrontando a voz. Não que isso servisse de alguma coisa.

- Eu nunca quis que ninguém morresse. Não é culpa minha.

Legado e AscensãoOnde histórias criam vida. Descubra agora