Eu nao o culpo por nao lembrar

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(Narrado por MingHao)

Meus olhos passearam pelo local como se fosse a primeira vez que entrasse na casa, embora fosse a primeira vez que parava para observa-la. Com a pressa de colocar os estudos em dia e com o acampamento mal havia reparado na casa em que havia comprado para viver na Coreia do Sul, esquecendo uma vida inteira para trás, na China. Onde eu adoraria nunca mais pisar para não me lembrar de nada daquele dia. 

Já vivia ali há duas semanas, mas nunca tinha reparado na decoração ou em algo do tipo. Nunca havia reparado no quanto ela tinha uma decoração antiga, com detalhes esculpidos em madeira e quadros antigos que eu provavelmente nunca entenderia o significado, mas deixaria ali mesmo por não saber pintar e nem ter interesse em comprar algo para por no lugar. Não havia reparado sequer no estilo da casa, antigo e tradicional. Tinha também um cheiro amadeirado. Que de alguma forma me lembrava deles...

Bufei irritado por qualquer tipo de lembrança e saí da sala indo em direção ao meu quarto, não gastaria meu tempo com baboseiras sentimentais. Não ficaria de choradeira por aí por simplesmente não ter mais ninguém. Peguei meu celular e meus fones colocando em uma playlist qualquer e indo procurar as chaves da casa para tranca-la e sair por ai para esfriar a cabeça. Passei pela cozinha, mas como não estava com fome apenas peguei a chave que estava ali, tranquei a casa e saí começando a andar sem rumo por ai.

Coreia do Sul era realmente um lugar bem bonito, era bom viver ali, ainda mais com a bela visão das arvores quase sem folhas denunciando que o outono chegava ao fim. Adorava o inverno, a neve, o frio dela. Adorava poder me agasalhar. Mas ainda assim, independentemente de qualquer visão bonita, mesmo se estivesse passando pela torre Eiffel, eu continuaria encarando meus pés ao andar distraidamente por aí. Até trombar com alguém.

_Uh, perdão... – murmurei erguendo um pouco a cabeça para olhar para a pessoa, assim que a vi reconheci seu rosto quase que instantaneamente. Era um dos amigos de JeongHan do acampamento, e que agora eram da nossa escola. Mas não sabia qual era seu nome.

_Ah, você é um dos amigos daquele garoto, o MinGyu, não é – interrogou-me me olhando de forma intrigada e curiosa, com expressão duvidosa. Semicerrou os olhos quando assenti, notei que ele continuaria a falar e resolvi cessar minha duvida primeiro sendo mais rápido.

_Qual é o seu nome? – perguntei inocentemente, ele sorriu ao responder de forma gentil.

_Lee SeokMin – Continuou a sorrir de forma gentil e estendeu a mão em cumprimento, a apertei por educação e ele logo emendou – E você?

_Xu MingHao – falei um pouco baixo me esforçando para falar numa boa pronuncia coreana e logo tratei de pensar numa forma de terminar a conversa sem deixa-la morrer num silêncio incômodo e mórbido que nos obrigaria a apenas continuarmos nossos caminhos, mas sim nos despedindo da maneira correta para não deixar nenhuma impressão ruim. Eu não estava com cabeça para conversar naquele momento de qualquer forma. Mas nada me veio à mente e ele disse:

_Também é próximo de WonWoo como ele? Como MinGyu, quero dizer – Neguei com a cabeça complementando a resposta em palavras para que ele pudesse entender que apenas MinGyu tinha a capacidade de se aproximar do garoto.

_Apenas fui uma vez na casa dele para fazer um trabalho da escola, ele é legal, embora não fale muito – comentei no final dando de ombros, o garoto assentiu como se apenas escutasse uma historia qualquer de um tio num almoço de domingo. Olhei em volta tentando não deixar tão aparente meu desconforto, porem esperando que ele acabasse com a conversa logo, não que me sentisse incomodado com sua presença, ele parecia ser alguém legal. Mas eu mal o conhecia e estávamos conversando no meio da rua como se fossemos grandes amigos de longa data. Era estranho.

_Ah, legal... Bem MingHao, eu tenho que ir agora, ate à próxima. Espero que possamos nos tornar amigos – disse sorrindo outra vez e tomando seu rumo, do lado contrario ao qual eu ia, voltei a andar esquecendo a conversa toda quase que automaticamente. Meus pensamentos tomando outro rumo e parando em alguém que eu realmente não esperava encontrar aqui.

JunHui.

Depois de ele ter se mudado quando éramos crianças eu não procurei saber para onde. E por isso realmente não tinha absolutamente nenhuma esperança de que fosse justamente onde eu havia escolhido seguir a vida, Coreia do Sul. Éramos tão pequenos na época, devíamos ter uns seis anos de idade quando nos encontrávamos na rua todos os dias para ficar brincando por aí. Não me surpreende que ele nem saiba quem eu seja, mas minha vida é vazia o bastante para isso ter sido algo que marcou minha infância.

Seria legal se ele se lembrasse, seria legal se nos tornássemos amigos atualmente por isso. Mas eu não o culpo por não lembrar, sua vida deve ser ocupada, cheia de pessoas. Por que ele iria se lembrar justamente de mim? Um garotinho qualquer de sua infância, que hoje não tem nem alguém para chamar de família. Eu não o culpo por não lembrar de mim. Eu não o culpo por esquecer

Eu não era o tipo de pessoa que todos se lembravam mesmo, quem se importa?

Passei minha vida fazendo poucos amigos por não ser muito sociável, mas de todas elas, ninguém se lembrava de mim quando me via depois de um tempo. Eu não devia ser alguém memorável, ou era irritante o bastante para apenas se esquecerem. Mas mesmo que fosse isso não importava para mim, eu não era o tipo de pessoa que saia chorando pelos cantos por questões emocionais puramente autodepreciativas.

Eu podia ser um inútil, mas tinha a vida garantida. Então esta tudo bem, se eu quisesse nem precisava terminar a escola, poderia apenas ser um idiota e viver sozinho com todo o dinheiro da empresa de meu pai sem me importar com o amanhã. Mas eu preferia ao menos terminar o colegial, e quem sabe fazer uma faculdade decente. Saia que minha mae se orgulharia de minha decisão, então pretendo continuar com ela.

Mesmo que acabe sozinho no final.



O garoto estranho que usava pretoOnde histórias criam vida. Descubra agora