Eu estava amando ter ele perto

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_Seus desenhos, aqueles que vi na escola, da primeira vez que nos falamos. O que significavam? – Anjos, demônios, pessoas morrendo. Tinham que ter um significado, o menor que seja, tinham que ter algum sentido. Devia ter algo por trás, algo oculto, ou até mesmo explícito, mas de uma forma que eu não percebi. Confirmei este tal pensamento quando ele suspirou devagar. Ainda de cabeça baixa começou a fazer alguns traçados imaginários contra a pele de meu braço. Os dedos finos e frios arrepiando alguns pelos com o contato.

_Depende, aquela pasta é para os desenhos de desabafo. Eu fiz cada desenho retratando a emoção que eu sentia no momento. Como por exemplo: há um desenho de um anjo com as asas quebradas que fiz quando me sentia impotente. Impotente por não poder ajudar minha mãe enquanto aquele homem batia nela. Já havia tentado antes... e não foi uma boa ideia – falou concentrado em desenhar algo em meu braço imaginariamente. Falando com aquele tom de voz concentrado que eu tanto amava, aquele maravilhoso tom de voz. Até que sua fala se tornou sombria no final, ficando mais baixa até desaparecer num sopro de um sussurro. Hesitei em abraça-lo de forma mais firme. Queria tanto que aquele idiota tivesse pelo menos um pingo de noção, bater na mulher e no filho, isso era tão horrivel.

_Que outros sentimentos já retratou? – Tentei retornar àquele assunto, tendo em mente o desenho do anjo de asas quebradas. Havia sentido nele, sentido a impotência do anjo. Que olhava para cima, para o céu, como se quisesse voar, fazer o que seus instintos gritavam para fazer. Mas não conseguia. Ele sentia dor por não conseguir fazer aquilo para o qual nascera, voar. Won, que havia deixado os dedos inertes após terminar de falar, retornou aos círculos e arabescos que desenhava invisivelmente por minha pele. Sabe-se lá o que imaginava estar desenhando ali. Doía-me sequer imaginar uma situação em que eu visse minha mãe ser machucada e eu não poder evitar... Sabia, mesmo que um pouco, de como essa dor devia ecoar no peito de WonWoo.

_Tristeza, melancolia, vontade de morrer, culpa, arrependimento, cansaço. E outrem – citou brevemente, concentrado em acariciar minha pele com os dedinhos desenhistas, geladinhos e suaves ao concluir seus riscos. Tinha que admitir que não desgostava da sensação. WonWoo hyung parecia a vontade deitado sobre mim, e eu estava gostando de estar assim, próximo dele.

_Não há... felicidade? – incitei, tentando me lembrar se algum desenho fugia do padrão de dor. Soube antes que ele dissesse qual a resposta.

_Não – falou simples, percebi apenas ali que havia desperdiçado minhas perguntas. Assim como da primeira vez, fora idiota novamente. Nenhuma novidade. Mas não importava muito também, as perguntas que havia planejado não valiam mais. Não havia mais nada a perguntar, não que eu me lembrasse naquele momento ao menos.

_Também já fiz textos desabafando esses mesmos sentimentos – Ele voltou a dizer em voz baixa, àquela altura eu estava inebriado com o cheiro de meu xampu em seus cabelos. WonWoo era tão miudinho em meus braços, tão confortável de se abraçar. Tao bom de se sentir perto. Queria que aquela sensação não acabasse nunca, que WonWoo nunca fosse retirado de meus braços. Eu lutaria para que não fosse, nunca – Mas eu sou melhor com os desenhos, as palavras não me deixam desabafar da forma que os desenhos permitem. Sinto-me mais confortável com os traços, com as imagens. Posso fazer o que quiser com eles. E depois de tanto tempo, o papel e o lápis se tornaram meus confidentes mais confiáveis. Sabe como é? Conseguir desabafar através de algo que você gosta? É libertador – Neguei quando ele ergueu a cabeça, direcionando os olhos para mim. Seu olhar me era indecifrável naquele momento. Um olhar intenso, selvagem. Como se estivesse falando daquilo que realmente o fazia bem.

No entanto, WonWoo ainda tinha mais três perguntas – O que faria se tivesse algum problema, como depressão? – indagou, abordando aquele assunto outra vez após tanto tempo. Porém agora, eu tinha mais certeza de algumas coisas.

Havia reunido minhas próprias provas e chegara a tal conclusão. Afinal, haviam algumas cicatrizes no braço de Wonnie que eram propositais de mais para terem sido feitas por DongHyo ou DongYul. Motivo pelo qual eu retirara qualquer objeto cortante de meu quarto, apenas por precaução. Os choros de madrugada também eram um bom indicativo. Um que encharcava os travesseiros a ponto de permanecerem úmidos até o amanhecer. E seus olhos diziam tudo.

Seus olhos, que por tanto tempo pareceram pedir ajuda silenciosamente, depois passaram a pedir por morte. Agora pareciam ameaçar desistir de tudo. Mas por sorte, apenas ameaçar. Eu estava disposto a devolver o brilho da felicidade àqueles olhos. Ninguém merece perder o brilho dos olhos para a tristeza.

_Não faço ideia – revelei, sincero. Ele havia parado de tracejar desenhos invisíveis em meu braço, ficando inerte contra meu corpo – Mas acho que contaria para minha mãe. Tentaria ir no psiquiatra. Algo assim.

_Ah, você lembrou – Ouvi o sorriso nas palavras _ levemente zombeteiras _ a respeito da psiquiatria. Ri um pouco e respondi:

_Claro, aprendi com você, logico que vou que vou lembrar – falei, ele moveu sua cabeça _ ainda escorada contra meu peito _ e me olhou. Lhe sorri ao ver a expressão encabulada. Ele abaixou o rosto novamente envergonhado, deixei meu sorriso se alargar desejando que estivesse claro para que eu pudesse ver seu rosto corado.

O puxei mais para perto, o aninhando mais contra meu peito e colocando sua cabeça sobre meu ombro, para que conseguisse ver seu rosto melhor. Ele olhou para mim quando nos aninhei assim e permanecemos dessa forma por algum tempo. Até ele baixar o olhar, ali daquele ângulo, pude perceber um tom diferente se apoderar de suas bochechas. Sorri, apreciando a beleza do garoto a minha frente enquanto ele encarava as próprias mãos, envergonhado.

_Acho que é uma boa resposta – Ele disse antes de ficar calado por um tempo. Apreciei o silencio, e, quando achei que ele havia adormecido, ele sussurrou: - Como seria se pudesse criar um universo só seu?

O garoto estranho que usava pretoOnde histórias criam vida. Descubra agora