Capítulo 26

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~MELANIE

— Ainda dá tempo de desistir — Estela fala, tentando me fazer mudar de ideia para eu não ir encontrar Guilherme.

— Eu não quero exatamente ir pra lá, você sabe. Mas talvez ele me explique melhor as coisas, entende? Precisamos dar um fim amigável no que tivemos — explico enquanto passo um pouco de maquiagem no rosto.

— Eu lembro bem do fim de vocês na última vez: ele foi para o outro lado do mundo e você chorou por muitos e muitos dias.

Eu sei. A lembrança ainda magoa; mas não é nada que eu já não tenha superado.

— Já passou, você sabe que eu não sinto mais nada por ele — relembro, colocando uma sandália sem salto.

Olho para o espelho e franzo o cenho com minha própria imagem.

Desde quando eu sou tão magra assim?

Sim, eu sei que emagreci, mas não achei que tinha sido tanto.

— O que foi, Mel?

— Parece que estou mais magra?

— Sim, você perdeu uns cinco quilos, é demais para alguém que já era quase seca.

Eu não era seca. Meu corpo era normal antes de eu emagrecer: eu tinha um peso ideal para minha altura; mas agora, minhas costelas ficam um pouco evidentes e minhas pernas estão mais finas. Além disso, as maçãs de meu rosto estão protuberantes.

Eu preciso ganhar peso de novo, antes que dê algum problema com minha saúde.

Olho a tela de meu celular, constatando que só faltam dois minutos para às duas da tarde.

Dois minutos para encontrar meu ex.

— Eu vou indo — aviso, pegando minha bolsa.

— Tudo bem, mas tome cuidado, ok? Grite por socorro na hora se ele mexer com você, entendeu?

Por mais maluca e sem noção que Estela seja, ela é a melhor amiga que alguém poderia ter. Que eu poderia ter. A preocupação dela para comigo sempre foi muito forte, e o apoio que me dava — mesmo não aprovando algumas de minhas atitudes —, desde que começamos nossa amizade, é a coisa mais linda que eu já tive na vida.

— Entendi — dou um beijo na sua bochecha.

Saio de casa e ando duas quadras até chegar à sorveteria, que estava razoavelmente cheia por causa do horário e do calor infernal.

Abro as portas duplas, sendo recebida pelo maravilhoso ar-condicionado do estabelecimento.

Examino o local com os olhos atentos, procurando por Guilherme. E logo encontro-o mexendo no celular em uma mesa que acomoda duas pessoas, e dirijo-me até lá em passos suaves e tranquilos.

Ele tira a atenção do aparelho e olha pra mim, abrindo um sorriso bonito quando passa os olhos por meu corpo.

Imbecil.

Guilherme levanta da cadeira e aproxima seu rosto do meu para me cumprimentar. Eu, no entanto, afasto-me um pouco, não querendo contato físico com meu ex.

— E então? Vamos nos servir? — sugiro, indo até a fila, onde escolhemos o sabor que queremos do sorvete, sem esperar por uma resposta dele.

Pego um pote médio para colocar o sorvete e me sirvo conforme a fila vai avançando.

Não me importo muito com o preço que dará, então não me sinto incomodada ou arrependida de ter pegado cinco bolas de sorvete e adicionado mais algumas guloseimas em cima. Guilherme, por outro lado, colocou apenas dois sabores e calda de caramelo em cima.

Quase nada comparado ao meu pote.

— Vamos sentar em uma das mesas de fora? — ele pergunta, quase incisivo demais.

Concordo com a cabeça e logo nos direcionamos para uma mesa perto da calçada.

— Então — Guilherme começa. — Como você está?

— Péssima — respondo, levando uma colher do doce gelado para a boca.

— Por quê? — franze o cenho, não fazendo menção nenhuma de que irá comer o sorvete.

— O que você acha? — indago sarcasticamente.

— Felipe? — arrisca.

— É — limito-me a responder, enchendo a boca de sorvete de maracujá com calda de chocolate.

— Sobre vocês dois...

Essa hesitação toda dele está irritando. Que custa começar a falar logo, cacete?

— Não tem mais nós dois.

Eu não sei o que houve entre vocês, mas eu devo um pedido de desculpas. Eu fui um idiota naquele dia.

— Você é idiota. Aquele dia você só conseguiu superar seu nível de idiotice e babaquice — retruco.

— Não precisa ofender, também — pede, ligeiramente incomodado.

Não respondo, apenas coloco mais uma generosa colher na boca, deliciando-me com a mistura de flocos, maracujá e granulados de brigadeiro.

— Se lembra da época em que namorávamos? — ele de repente questiona.

— O que tem? — nem olho para a cara dele, pois fico mais preocupada em desfrutar do delicioso e refrescante sorvete.

— Você dizia que eu não devia ter ciúmes de Felipe, pois ele era e sempre seria seu melhor amigo.

Largo a colher de plástico e olho atentamente para Guilherme.

— Pois é. E você havia me dito que nada nos separaria — retruco, sentindo um amargo não literal na boca, o que me leva a comer mais um pouco do sorvete para dissipar o gosto estranho.

— Isso não é justo, Mel. Ele era seu melhor amigo! O que você sentiria se eu estivesse, hoje em dia, namorando minha melhor amiga da época em que eu e você estávamos juntos?

Franzo o cenho.

— "Sua melhor amiga da época" era Rogério Didonne. Tá querendo me dizer algo a respeito de sua sexualidade com essa conversa toda? — faço uma cara séria. — Por mim tudo bem, não vejo problemas. Inclusive, vocês dois formariam um belo casal. Até me sinto mal de ter interrompido vocês aquela vez.

Ele solta uma risada um pouco alta, e eu acabo acompanhando.

Nunca me esquecerei do dia em que Rogério estava bêbado e mal por causa do fim de namoro com uma tal de Bianca. Nesse dia, Guilherme e eu estávamos com ele num bar meio vazio. Rogério, então, olhou bem para meu ex e disse "O que há de errado comigo? Eu beijo mal?"

Para minha completa surpresa, Guilherme respondeu "Não sei, posso te beijar pra dar minha opinião?"

Foi hilário, principalmente porque Rogério levou a sério a piada e tentou beijá-lo, e só não conseguiu pelo motivo de eu ter interrompido.

— Você é mal — Gui me acusa. — Rogério teria dado o melhor beijo da minha vida se você não tivesse interrompido — brinca, lembrando-se da mesma situação.

Não contenho o riso, e acabo engasgando um pouco com o sorvete. Nisso, ele vem até mim com o intuito de parar minha leve crise, e esfrega minhas costas de cima à baixo.

Quando funcionou, Guilherme não voltou para seu lugar.

Pelo contrário, ele levou sua mão até meu pescoço, tentando nos aproximar.

Porém, antes que eu pudesse reclamar, pedindo para que não me beije ou antes de poder empurrá-lo, uma voz grossa diz atrás de nós dois:

— Mas que caralhos tá acontecendo aqui?

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Proposta TentadoraOnde histórias criam vida. Descubra agora