Estranho...

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- Ei, está tudo certo aqui. Você consegue me enxergar perfeitamente, Luna? - perguntou o Dr. Miguel.

- Sim, já estou melhor, Dr.

- Bom, uma pancada na cabeça é sempre preocupante, mesmo que tenha sido com bala de borracha e de raspão. Procure se cuidar e tentar bater uma tomografia. A falta de visão, mesmo que momentânea, não é um sintoma normal em casos como esses. - salienta.

- Sim, senhor. Após eu recuperar meus pertences, vou à um hospital para um exame mais completo. - digo, encarando o homem inquieto parado à porta. Com os antebraços suspensos no batente. Tirando toda a minha concentração daquilo que o Dr. dizia.

- Bom, seus reflexos estão bons, você não sente mais dores, já está limpa. Creio que não há mais o que fazer. - finaliza.

- Muito obrigada, Dr. Miguel. Eu realmente não queria incomodar.

- Tudo bem, não há incômodo algum. Se me dão licença. - diz já saindo da sala.

- Ele é o médico chefe aqui. Dos jogadores, entende? Deve ter muita coisa para fazer. - diz o jogador.

- Ah sim, acho melhor eu ir embora, agora que estou melhor.

- Pode ficar descansando aqui até o treino terminar. Aí te levo ao hospital ou para casa.

Não percebi que estava o encarando, provavelmente pensando na resposta o tempo inteiro. Ou metade dele já que uma parte de mim insistia em contornar o homem parado à minha frente.

Nessa sala branca, sua pele marrom se destacava. Em meio a todos esses equipamentos sofisticados, seu charme único jaziam ainda mais destacados.

E seus olhos? A perfeição de um cinza tão intenso e claro que poderiam ser, facilmente, confundidos com um verde estonteante.

Sem dúvida, um dos homens mais lindos que já tive a oportunidade de conhecer. Tão alto e atlético que só poderia ser o... - Zagueiro?

- Quê?

Meu Deus, será que pensei alto?

- Desculpa, ainda devo estar com alguma sequela da contusão.

- Disse zagueiro.

- Eu não disse, não.

- Disse sim.

- E se ouviu, porque perguntou?

- Queria que fosse corajosa e me dissesse o porque está especulando, nessa sua mente ativista, minha posição no campo.

Posição: essa palavra deveria ser excluída da boca de todos os homens atraentes do mundo.

- Eu não estava especulando nada.

- Para quem luta pelos seus direitos e toma tiro na cara, você é bem covarde.

Quando foi que ele se aproximou tanto?

- Eu posso ficar no campo enquanto treinam? Pode ser na arquibancada. Queria te esperar lá. E eu não sou covarde.

- Tudo bem, covarde, eu já resolvi tudo com seu Zé. Basta usar sua identificação e poderá ficar na área externa. Tem uma parte que é super confortável e não pega sol. Vou leva-la lá. Daqui a pouco vamos ao refeitório e eu vou pedir uma dispensa mais cedo para eu acompanha-la ao hospital.

- Tudo bem..

- Sem discussões ou ameaças?

- Só estou tentando agradecer. Por que está fazendo isso por mim?

- Já disse! Quando te vi desnorteada, apalpando aquele pobre poste, fiquei desesperado. - disse, simplesmente, afastando alguns fiapos de cabelo que caíam sob minha testa tampando a ferida.

- Perto demais.. - digo, já me levantando. - vai se atrasar! Acho melhor irmos. E obrigada, mais uma vez.

- Não me lembro de ter havido uma primeira vez.

- Engraçadinho.

Já estou começando a me familiarizar com o gesto dele em agarrar minha mão sempre que caminhamos juntos. Da primeira vez eu estranhei. Da segunda vez eu estranhei e o que estou estranhando agora é minha ausência de estranhamento. Infelizmente. Não o conheço nem há duas horas.

- Acho que eu posso ir sozinha.

- Conhece o Centro de Treinamento?

- Não...

- Então você não deve ir sozinha. E já falei que não há problema algum em leva-la lá e cuidar do seu bem estar.

- Tudo bem.

- Ei, covarde, já sei que você é independente, não gosta de ninguém lhe dizendo o que fazer e deve ser extremamente feminista, mas estamos em meu ambiente de trabalho. Preciso cuidar de você, pois se qualquer coisa der errado, eu serei cobrado administrativamente. Prometo deixa-la no hospital e ir embora sem olhar para trás em poucas horas. Ok?

- Zagueiro porque você é alto demais e tem ombros largos e também passa uma segurança absurda em tudo que faz.

- Tudo bem, não te chamarei mais de covarde. Pelo menos você entende de futebol, né, baixinha?

- Covarde ou baixinha ... dúvida cruel. - só não dou um chute na canela dele porque é seu instrumento de trabalho, vontade não me falta.

- Relaxa, tá bom? Hoje o treino será mais tático, talvez o preparador faça umas dinâmicas, mas nada que dure muito tempo. Se quiser qualquer coisa, vá até a cantina e peça. Diga a dona Carmem para colocar na minha conta. Não. Fique. Com. Vergonha.

- Tá. Bom trabalho.

E ele me deixa para assistir ao treino enquanto corre para o vestiário.

Nunca me senti tão exposta e sozinha na vida.

Tento me ajeitar no espelho, mas nem de longe me vejo baixinha. Claro que quem tem 1,65m é um anão perto de quem tem 1,92m, mas isso não é ser pequenina nem fudendo.

Olhos negros, cabelos castanho escuro embaraçados num coque horroroso e sujo de sangue. Saia longa preta, blusa manga longa e larga com ombros à mostra de cor branca, também um pouco suja, rasteiras gastas.

É, tô parecendo uma hippie e tudo que eu queria era estar em casa.
Tomando um lindo banho quente.

- Está parada aqui faz quanto tempo?

- Desde que você saiu.

- Suspeitei que não se moveria. Disse que precisava levar uma amiga ao hospital e com a ajuda do Dr. Miguel, consegui uma folga hoje. De qualquer forma, não conseguiria focar no trabalho com você nesse estado. Está horrível..

- Obrigada. - Não sei se estava sendo irônica ou sincera.

De mãos dadas, deixamos o CT em direção ao carro dele que estava estacionado próximo do ocorrido, creio eu.

- Para casa? - ele perguntou?

- Para casa. - Eu confirmei.

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