Carona

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- Agora você vira à direita e pode estacionar antes do segundo quebra molas. - digo.

- É naquele portão azul?

- Sim. Não precisa se incomodar mais, depois que eu chegar em casa, vou localizar meus amigos e assim que recuperar minhas coisas, procurarei um hospital.

- Ei, Luna, já está me dispensando? Tirei o dia inteiro para cuidar de você e é assim que me trata? - Pergunta, estacionando o carro. Com um delicioso sorriso de canto amostra.

- Tudo bem. Quer entrar e tomar um café, então? - Não sei se é uma boa ideia, mas peço mesmo assim.

Durante o trajeto de uma hora do CT à minha casa, só minhas instruções de copiloto cortaram o silêncio constrangedor.

Após estacionar completamente o veículo importado, ele se adiantou e abriu a porta do carona, aproveitando minha lentidão causada por todo o estresse sofrido hoje.

Peço as chaves reservas ao meu vizinho, que não repara no homem parado ao meu lado e entro em casa.

O quintal, como sempre, bem cuidado e limpo, a porta da frente está repleta de plantas, o interior organizado e bem decorado. Nunca senti tanto orgulho da minha humilde residência.

Trabalhar, estudar e participar de eventos como os de hoje exigem todo o tempo do mundo, separar algum para zelar pelo domicilio é quase impossível. Mas tudo deu certo.

- Uau...

- Perdão?

- Nada, é que aqui é tão calmo.

- Você quer dizer limpo e organizado, né?

- E você precisa discordar de tudo que eu falo?

- Bom, eu sei que te prometi um café, mas preciso de um banho antes de tomar qualquer decisão. A cozinha é por ali. - aponto em direção ao cômodo à esquerda da sala de visitas, separados por um balcão ala americana. - fique a vontade para se servir e lembre-se: o chocolate é meu. Todo ele.

- Relaxa, eu não sou um animal. Prometo não comer tudo. Vou cozinhar algo para nós. Fique a vontade.

E por mais estranho que parecesse, durante esses poucos minutos que estou em casa, essa é a primeira vez que me sinto, realmente, à vontade.

- Ok. Só preciso de uns 30 minutinhos. Já volto.

Vou ao quarto, no fim do corredor, separo uma calça pertencente à um moletom (que perdi a parte de cima faz tempo) e pego uma blusa de um time que é rival daquele que o Rafa joga.

Nunca fui fã de futebol. Sempre achei um desperdício de tempo e inteligência. Sem contar os altos salários que dariam para extinguir a fome na África, mas de uns tempos para cá, eu pude perceber a importância do esporte na vida das pessoas. Principalmente àquelas que não tiveram acesso à mais nada, além de uma bola, dois pares de chinelos e amigos, praticando na rua, em praças, na escola. Suas esperanças eram limitadas àquela espécie de diversão e aprendi a respeitar isso durante todo o projeto social que participei. Um sonho que pode se tornar realidade para uns e manter a chama acesa pela luta por um futuro melhor para outros.

Minha vontade é ir na sala e dizer que eu não o reconheci naquela hora porque estava com a visão turva. Mas pareceria patético demais, ele deu a entender que eu estava tonta e o Dr. Miguel também confirmou isso na enfermaria. Será que ele acha que vou continuar o tratando como um estranho anônimo?

Pelo amor, não sei o que fazer.

Eu sei quem ele é. Mas não sei como ele é. Isso deve servir, por ora. Não vou ficar tietando ninguém.

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