18° C

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Já deve ter amanhecido há algumas horas, porém me recuso a abrir os olhos.

Não sei se fechei as cortinas, então prefiro não arriscar mais uma horinha de sono.

Sinto minha cabeça arder um pouco, mas nada muito desconfortável.

Aos poucos lembro que não fui dormir sozinha e, corajosamente, abro um olhinho.

Quando percebo a completa escuridão, sinto-me à vontade para abrir o outro e lentamente recobrar a consciência.

Uso os pés para tentar cutucar o cavalheiro que esteve comigo ontem, mas não sinto nada.

Como estou encolhida e em direção ao guarda vestidos, não tenho visão do outro lado da cama, e por pura preguiça, tento novamente com os pés.

Nada.

Ainda sonolenta, troco de posição. Afinal, preciso observá-lo.

Tocá-lo.

Sentí-lo.

Mas quando me viro, percebo que o colchão está vazio.

Além de mim, não há mais ninguém na cama.

Vagarosamente me levanto.

Tomo consciência de que estou vestida apenas pelo uniforme do time dele.

Sinto o perfume amadeirado na camisa e lembro que ontem ele havia entrado com uma mochila. O famoso "kit de primeiros socorros."

Deve ter colocado-a em mim enquanto eu dormia.

Ando pela casa inteira, contudo não o encontro.

A prova de que tudo não passou de um sonho está na blusa e no leve ardor entre minhas coxas.

Contudo não há mais nada que aponte sua estada em minha casa.

Olho pela janela e percebo que seu veículo já não se encontra mais na garagem.

Quando abro as geladeiras, logo de cara vejo a surpresa que deixou para mim: chocolates. Da marca e sabor que eu adoro, aqueles que eu havia exterminado de nervoso ontem. Os Meus favoritos.

Sento em minha poltrona e fico meio incomodada com essa desconhecida sensação que habita dentro de mim.

Passamos o dia inteiro juntos ontem e não o vi pegar no celular uma única vez.

Nem para avisar a alguém que passaria a noite aqui.

Eu me surpreendi até por não sentir falta do meu.

E é justamente nessa hora que ouço a campainha tocar.

Pego minhas chaves extras e vou em direção ao portão, sabendo exatamente quem está do outro lado.

- Oi amiga, como você está? - Pergunta Maria Luiza.

- Estou bem. E você, como superou sua culpa? - pergunto dando uma piscadela.

Assim que o sol bate em meus olhos, fico tensa. O latejar que não consigo suportar dá as caras novamente.

- Deixa eu ver esse machucado. - comenta, tirando os cabelos que caem sob a minha testa para enxergar melhor. - não parece tão mal assim.

- Minha cabeça ainda dói, vou marcar uma tomografia assim que tiver um tempinho.

- Então nunca. - ela dá aquele sorriso branco contagiante de sempre e que se destaca cada vez mais em sua pele negra.

- Vamos entrar. Trouxe minhas coisas? - pergunto.

- É claro, você sabe.

- Tudo bem, vou devolver as chaves extras pro seu Carlos e já volto. Pode ir entrando. Sabe o caminho.

- Ok.

Devolvo as chaves para o meu vizinho e pergunto se meu padrinho está bem, ambos são casados desde que me conheço por gente. Meu casal favorito da vida, cuidam de mim desde o falecimento da minha mãe. Após o senhor Carlos me confirmar que meu padrinho está bem, beijo sua bochecha e entro, pois não o quero perguntando se meus dotes culinários melhoraram devido ao livro de receitas de mamãe que me entregou noutro dia.

- Sai da minha poltrona! - ordeno entrando em casa.

- Só estava testando. Queria saber se você continuava a mesma chata com essa mobilia após um tiro na cabeça.

- Rá Rá. Vaza daí.

- Tá, mas eu quero saber tudo que aconteceu ontem detalhadamente e QUEM DIABOS É RAFAEL.

- Antes me passa o celular.

Após procurar na bolsa bagunçada, me entrega os documentos e meu celular. Dou uma rápida conferida no segundo e vejo que não perdi nada de importante.

Fico incomodada por não ter trocado número, e-mail, redes sociais, nada com o Rafa.

Mas ele sabe quase tudo sobre mim e, se quiser, pode entrar em contato.

Mesmo assim isso não é suficiente para silenciar as emoções conflitantes dentro de mim.

Conto absolutamente tudo pra Malu e minha inquietação dá lugar a uma crise de risos provocada por todos os seus comentários sarcásticos e maldosos a respeito do jogador de futebol.

São tantos planos para fisgá-lo e ficar rica que mal posso digeri-los antes de sucumbir a mais gargalhadas.

Cansada, a expulso e digo para segurar as barras no trabalho. Vou usar o machucado como atestado para descansar mais alguns dias.

E quando ela sai, vou ao banheiro para cuidar do meu higiene pessoal como sempre, porém não deixo de sentir algo me incomodando, uma ausência para ser exata.

Dias se passam e nada.

Minha dor de cabeça só aumenta quando tenho um pequeno contratempo no trabalho.

Semanas se passam e só o vi nos jogos.

Cheguei até a comprar o ingresso de um que seria disputado em casa, porém não tive coragem de ir.

Fiquei com medo dele me reconhecer e eu parecer patética e desesperada demais.

Aquele homem preocupado que eu havia conhecido nem se quer se deu o trabalho de perguntar como eu estava. Se tinha feito o "exame da cabeça", ou simplesmente, dizer abertamente que não gostou do tempo que passamos juntos e, por isso, não me procuraria mais.

Ele não me procuraria.

Um mês.

Nada.

- Luna?

- Oi Malu.

- Amiga, você está suando.

- Deve ser porque está quente aqui, não acha?

- Com certeza não está quente aqui. O ar está ligado.

- Então a temperatura não está baixa o suficiente.

- São 18 graus...

Enquanto ela fala, fala e fala, eu só consigo reparar no quanto essa sala é monótona.

Eu tenho uma sala só para mim, mas não tenho privacidade para realizar minhas tarefas sozinha.

Escolhi a cor dos adesivos. Sim, não pintamos o ambiemte, mas o preenchemos com adesivos de bom gosto. Com cores vibrantes. Roxo, vermelho, azul, verde, laranja, rosa e dourado, como o tom de minha pele.

A mesa é branca, para contrastar com os tons nas paredes. Aliás, todos os móveis são brancos: livreiros, sofás, armários, até o abajur.

- Está me ouvindo? - perguntou, contornando minha mesa até se aproximar de mim.

Levanto bruscamente, antes que ela possa me alcançar - o que não é bom, considerando minha incessante dor na nuca - e vou em direção à porta para abri -la, convidando Malu a se retirar.

Sei que meu cargo administrativo na empresa não é vitalício, mas mesmo assim uso a sutileza para expulsar minha chefe, melhor e única amiga da sala.

Contudo, minhas intenções são frustradas ao perder os sentidos no meio do caminho.

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