O beijo

23 12 0
                                    

📚

Não fechei as cortinas, quando tento levantar as pálpebras, o sol me cega instantaneamente.

Resmungo.

Sinto como se meu cérebro tivesse sido mastigado por algum réptil.

Pego o celular e verifico as horas: 12:30hrs.

Estou muito atrasada, o evento vai começar às 15:00hrs e eu deveria estar na ONG desde às 09:00hrs, ajudando o pessoal a ajeitar as crianças.

Ana, Carlinha e Matheus vão me matar.

Escovo os dentes com a mão direita e tento ler as mensagens com o celular fixo na esquerda:

“amiga, sei que deve estar cansada, mas SOCORROOOOOOO.” – escreve Carlinha.

“amiga, onde você está e o que você fez ontem?” – Ana.

“as meninas já deram um jeito em tudo, podem parecer dramáticas às vezes, mas está tudo sob controle.” - Matheus.

“mamãe, eu sei que você vai me colocar de castigo, mas o tio Henrique foi me buscar às nove, como estava muito cansada, eu não o deixei te acordar e o pedi para me trazer na ONG, sei que não devemos pedir carona pra estranhos, mas ele já é meu amigo há uma semana.” – Henrique.

“amiga, o médico gato trouxe o Noah, está muito arrependido, mas o garoto o adora. Ele não quis dizer ‘não’, então tá aqui se sentindo culpado.” – Ana.

“vaca, onde você está? Ele é lindo. O médico, quero dizer. ~suspiros” – Carlinha.

“Noah e o restante dos garotos já estão prontos. Uma hora da tarde sairemos daqui, quer que te esperemos?” – Matheus.

“Mamãe, tô preocupado. Quer que eu volte?” – Henrique.

“Estou preocupado com você, Luna.” – Henrique.

“Vou deixar Noah com Carla, Ana e Matheus e vou te buscar. Chego em 30 minutos.” – Henrique.

Ignoro as ligações perdidas.

Ele mandou a última mensagem há 15 minutos, então ainda dá tempo de uma chuverada.

Vejo a caixa de entrada e há um e-mail novo.

É por parte de Rafael.

“Recebemos seu contato, senhora Luna Pereira. O Rafael reservou uma mesa para os dois no horário do almoço. Att, Assessoria.”

Fico encarando a tela e o endereço do local em questão.

Percebo que fica próximo ao CT, será muito prático.

Coloco uma calça jeans justa, uma blusa de alcinhas simples com um decote quadrado e uma plataforma comum.

Não dá tempo de me maquiar ou me pentear, assim que Henrique toca a campainha eu prendo meu cabelo em um coque frouxo com fios caindo sob o rosto e a nuca.

Pego a bolsa, tranco tudo e nem se quer o deixo entrar, vou logo abrindo a porta do carona e invadindo seu carro.

- UAU, você está... está incrível – gagueja ao volante.

- Não pense que o perdoei. – digo aproveitando o espelho do carona para colocar os brincos.

- Eu faço tudo pelo seu perdão. - sorri para mim. - Menos dizer não ao Noah. – E dá partida no carro.

- Sua resposta, por ora, é suficiente. - o encaro.

- Vamos direto para o CT, como já é uma hora, os meninos já devem estar a caminho.

- Henrique, pode me levar a esse endereço antes? – mostro a tela do celular.

- Claro. Quer almoçar antes? – pergunta sem entender.

- Preciso contar para o Rafa sobre o Noah antes do evento. Ele marcou um encontro nesse lugar.

- Entendo.

Durante todo o trajeto, permanecemos em absoluto silêncio.

- Chegamos. – diz Henrique estacionando.

Saio do carro e bato a porta.

O restaurante fica no mesmo lugar que nos encontramos pela primeira vez, no térreo de um edifício que eu não me recordaria nem se tivesse conseguido enxergar naquela época.

O poste continua no mesmo lugar, e por isso, pude reconhecer o entorno.

Dou dois toques na janela do carona e o Henrique arria o vidro de seu veiculo executivo.

- Você não vem? – pergunto receosa.

- Claro que não, Luna, você precisa resolver isso sozinha.  – E sai do carro. - Eu sou um estranho, lembra? - sorri. Mas sinto que está feliz pelo fato deu se quer tê-lo convidado.

- Mas eu estou nervosa. – digo, por fim, enquanto ele contorna o veiculo.

- Ei, não fique. – fala, encostando-se na porta do carona e cruzando os braços.

Coloco as mãos nos quadris, olho para cima e suspiro.

Quando volto a encará-lo, o pediatra  pega minha mão direita e me puxa para si.

Surpresa, eu acabo cedendo.

Seu abraço é reconfortante.

Ele sussurra palavras já ditas antes e que estavam começando a parecer familiar em meu ouvido: "Tudo vai ficar bem.”

Henrique segura meu rosto em suas mãos e seu olhar é tão intenso que acabo não resistindo.

O beijo.


RAFAEL


Não é possível que ela tenha me chamado aqui para isso.

Será que está fazendo alguma espécie de joguinho ou quer me enlouquecer de vez?

OITO anos. MALDITOS OITO ANOS se passaram e ela não sai da minha cabeça.

Não importa o que eu faça, ela ainda está dentro de mim.

Ainda posso sentir o toque suave de sua mão na minha.

Se ela soubesse de tudo que aconteceu naquela época talvez me entenderia, me perdoaria e poderíamos voltar a ser como aqueles jovens de antes.

A quem você está tentando enganar, Rafael da Motta Cardoso?

Vocês não são as mesmas pessoas.

E nunca serão.

Você foi covarde há oito anos atrás.

Foi fraco e já está casado.

Com uma mulher incrível que não o merece.

Porque nunca será amada como àquela que está parada beijando outro homem, na sua frente.

"Vocês não vão voltar." Repito para mim mesmo. Tentando me consolar.


Ela está feliz. Veja:

E mesmo que você se separe da Diana, Luna não voltará para você.
Só está se iludindo.
Chega.

Quer saber, não vou ficar aqui vendo a única mulher por quem me apaixonei na vida ficando com outro homem na minha frente. Voltarei ao centro de treinamento e aproveitarei cada segundo da festa que a torcida fez para mim.

Depois vou encontrar um lugar calmo, comprar a melhor safra de vinhos e esquecer que um dia já fui, desesperadamente louco por Luna Pereira.

⚽️




TOSSOnde histórias criam vida. Descubra agora