TOSS

Rádio

📚

- Ei, amiga. Tudo bem?

Abro sutilmente os olhos e dessa vez, não estou sozinha, Malu está ao meu lado.

Dou uma checada no ambiente e percebo que se trata de uma clínica ou um hospital. Não sei ao certo.

- Quanto tempo estou aqui? - Pergunto, tentando me levantar.

- Não faça esforço, Lu. Pelo amor de Deus.

- O que eu tenho?

- Você está aqui há algumas horas apenas. Tu desmaiou e eu te trouxe para cá com a ajuda de um funcionário. Expliquei ao médico do tiro de raspão que tu tomou há um mês e ele passou uma tomografia. Não fica pronta de imediato e ele disse para virmos buscar outro dia. - completa.

- Por que está com essa cara, então? - pergunto.

- Porque, por algum erro de comunicação, sua situação não chegou a ele antes que realizasse o exame.

- Que situação? Você está louca? - me ajeito na cama.

- Quando chegamos aqui, os enfermeiros fizeram todo o procedimento inicial. Suspeitaram de uma gravidez e fizeram um teste. Deu positivo, amiga. Mas não a tempo de o médico bater uma chapa dessa sua cabecinha dura.

- Eu vou processar esse hospital, não poderiam fazer isso. - digo indignada, alisando freneticamente a testa.

- Calma. Fique tranquila. Ele disse que, talvez, não cause nenhum problema ao feto e se comprometeu a arcar com seu pré natal.

- Desde quando esse hospital faz pré natal? - pergunto sem que a ficha da minha provável gravidez tenha caído.

- Desde agora. Vamos embora. Agora você tem que avisar ao pai da existência dessa criança! SEU BILHETE PREMIADO ESTÁ A CAMINHO, AMIGA. - diz e, simplesmente, me carrega para fora do hospital.

- Preciso de alta, né?

- Quem precisa de alta? Ainda mais num hospital desorganizado desse. Sabe o quão mal uma tomografia pode fazer à essa criança?

E é por isso que eu não estou nem aí para pré natal. Vou processá-los se alguma coisa acontecer com meu filho . Ou filha.

- Tá, então vamos.

Saímos do hospital, entramos no carro e colocamos o cinto de segurança.

Maria não para de falar desse bebê um segundo se quer: de como será maravilhoso e de como ela quer ser a madrinha e vai mimá-lo. E eu, só estou encolhida pensando no que farei. Não quero vê-lo novamente.

Ou será que quero?

Ele não voltou.

Ligo o som para calar a voz de minha amiga e meus pensamentos sufocantes, mas o que escuto é mil vezes pior.

Me deixa mil vezes mais instável.

"É verdade mesmo, Mauro Sérgio?"

"É Sim, Leão. Parece que o famoso atacante do Rubro Negro conseguiu o que queria. Assinou um contrato multi milionário e vai jogar na Europa, mais precisamente, na Itália."

"Queria eu, nascer com talento nos pés."

"Não fala nada, não Leão. Parece que o Rafael da Motta vai usar suas habilidades no outro lado do Atlântico. Você não nasceu com talento nos pés. Mas nasceu com um gogó afiado."

"Meu contrato não envolve um pagamento mensal milionário, mas acalma muitos corações. Em breve ele volta. Todos voltam pro seu time do coração e eu vou cantar essa alegria, pode anotar aí."

"A rádio vai estar sempre aberta pra você, Leão. Aqui é o Mário Sérgio, vou colocar a sequência que vocês escolheram ligando para a Central, e na volta batemos mais um papinho show de bola. Não esqueçam de mandar recados para o convidado de hoje: Leão de Assis."

Desligo o rádio e enfio meu rosto nas mãos.

Não cai uma lágrima.

Uma patética lágrima se quer.

Malu percebe a deixa para ficar quietinha. Muito sabiamente.

Não posso procurá-lo e, simplesmente, estragar esse momento brilhante de sua carreira.

Não sei como se comportaria ao receber essa notícia.

Não sei se me acharia uma daquelas "Marias Chuteiras" e depositasse erroneamente sua frustração na criação do meu filho.

Um dia não é o suficiente para conhecer alguém.

Privar uma criança da presença do seu pai por medo é puro egoísmo.

Mas dar um pai que faria mal direta ou indiretamente à minha criança não é uma opção.

Não sei o que fazer...

⚽️

A parte II continua 8 anos após o ocorrido, no próximo capítulo, claro.
Não percam.