Cura

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O banho alivia um pouco a dor na nuca, mas a lembrança de Henrique apertando meu braço com um olhar predador estampado na cara não sai da minha cabeça.

Assim que eu saí do carro tive o mesmo pressentimento daquele dia, não sei o que esse mau presságio quer dizer, mas meu coração apertou e eu não quis demonstrar. Parecer frágil não é uma característica minha.

Desde que não aconteça nada com meu filho eu serei cautelosa.

Termino o banho, coloco a camisola que Noah escolheu e volto para a sala.

- A senhora está bem melhor, mãe.

- Saiu o aspecto hospitalar, né? - confirmo sorrindo calorosamente para o meu filho.

- Com certeza. Pai, ela não melhorou muito?

- Claro, filho, sempre linda. – Amplio mais o sorriso. Cada segundo que passo com Rafael me sinto mais segura.

- Obrigada.

- Papai pode morar conosco? - Doce inocência.

- Por que você gostaria que seu pai morasse conosco?

- Porque ele cozinha muito bem.

- Nossa, valho tão pouco assim?

- E não sabemos quase nada sobre o passado dele. Ele poderia ficar e nos contar. - desvia o foco dos meus dotes culinários. Sutil demais esse meu filho.

- Pensei que, enquanto eu estivesse no hospital, vocês tinham ficado unha e carne.

- Ele teve que estudar, eu tive alguns jogos e acompanhei de perto sua internação no hospital. Passamos muito tempo juntos, mas dissertando sobre as aulas, conversando sobre seu estado de saúde e dormindo nas viagens.

- Levou meu filho para os jogos fora de casa?

- Mais ou menos. - Rafa dá de ombros e se vira para mexer nas panelas.

- Não pode fazer isso. É proibido.

- Para tudo tem um jeito. Minha família, seus amigos e padrinhos adorariam ficar com ele, mas eu quis que ele ficasse comigo.

- Avião, Noah?

- É, mamãe. É maravilhoso. E o tio Juan não parava de fazer coisas idiotas para eu rir.

- Ei, não fale assim do seu tio Juan, ele poderia ficar magoado. – advirto ironicamente.

- Uhum, sei. Tio Juan nunca fica triste. - Noah dá uma pausa, mas logo em seguida completa. - Menos quando tia Ana grita com ele.

- Juan e Ana? – pergunto à Rafa que, novamente, dá de ombros.

- Comida na mesa. Venham. – Papai nos chama.

- Você é maravilhoso. - Confesso. - Noah tem razão, poderia ficar conosco como um máster chef até eu melhorar. - junto as mãos em sinal de oração e faço beijinhos piscando freneticamente.

Dada as circunstâncias da minha internação, não deve ser uma cena bonita de se ver.

- Isso é uma chantagem emocional, um pedido sutil ou uma ordem irrefutável? – ele pisca e abre o sorriso de lado mais eficaz que já vi.

- Ordem. - repito.

- Sendo assim, eu fico.

- Tão sábio.

- Nossa, papai, isso está muito bom, o senhor sempre nos surpreende. - diz Noah comendo com uma voracidade quase ofensiva à mim.

- Sua mãe que cozinha muito mal.

- Ei! – levo a mão ao peito e finjo um descontentamento.

- Desculpa, amor. – Ouvi-lo me chamar assim faz meu peito, antes apertado, se agigantar.

Comemos em perfeita harmonia, com leveza e, eventualmente, rindo das piadas sem graça do Rafa.

Coloco Noah na cama enquanto Rafa lava a louça e limpa a cozinha e meu filho aproveita para tentar algumas perguntas, mesmo tendo prometido  antes não entrar no assunto.

- Será que o tio Henrique vai ficar bom?

- Como assim, filho? – pergunto meio consternada.

- Ele foi até à ONG quando papai me levou pra ver a tia Ana, daí enquanto eles conversavam, tio Rick apareceu e me levou para tomar um sorvete. Ele disse que estava doente e que não ia parar até que a doença estivesse curada. – meu coração se aperta novamente.

- Como assim filho? - quero saber.

- Ele disse que fazia coisas que a mente dele mandava e que se sentia culpado depois. Ele pediu desculpa para a senhora.

- Ah, sim, é claro que eu o desculpo. Mas eu mesma direi isso à ele, Ok? Você promete uma coisa para a mamãe? – tento camuflar minha voz de suplica.

- Claro. – responde, simplesmente.

- Jura que quando ele chegar perto você vai se esconder e procurar o adulto de confiança mais próximo?

- Por quê, acha que ele é perigoso e vai machuca-la de novo?

- Porque a doença e contagiosa e eu não quero que você pegue... - Tento mudar de assunto.

- Mamãe, eu não sou burro.

- O quê?

- Foi o tio Rick, não foi?

- Hã?

- Que te mandou para o hospital?

- Como assim, filho?

- Na noite em que a senhora foi para o hospital o papai não parava de dizer que ia mata-lo e a senhora tinha ido jantar com tio Rick. Não tem como supor outra coisa.

- Isso não tem nada a ver. – tento amenizar as coisas.

- Mãe. Será que ele tem alguma doença mental ou a doença que ele se referia era a senhora?

Fico sem palavras por longos segundos.

- Se a doença é a senhora, a cura só pode ser a senhora também. Ele vai tentar te sequestrar? Tem medo dele? O que faremos então?

- Você, nada. Eu e seu pai resolveremos. Agora durma. E nunca mais chegue perto do tio Rick. Eu não tenho medo dele, mas é melhor prevenir do que remediar. Tomaremos conta de tudo. - Prometo beijando-o.

Ele deita e assente.

Distribuo beijinhos por todo o seu rosto, junto-me à ele na cama e canto algumas musicas para acalma-lo.

Quando percebo que Noah está dormindo levanto-me e vou para o meu quarto.


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