📚
Diana
Olhando meu reflexo no espelho de um quarto isolado e extremamente sujo eu percebo que preciso estar calma e não despertar qualquer instabilidade no meu raptor. Não quero somar um olho roxo ao já existente.
Pelo pouco que pude conhecer da história de Henrique pelo meu irmão, sei que se trata de um sociopata e o tratamento ideal para esse transtorno é minha neutralidade. Não posso implorar, não posso forçar um contato e também não posso fingir que ele não existe. Há uma linha tênue que não irei ultrapassar. Isso seria arriscar minha vida, já que esse home não tem apreço pela lei ou questões morais.
Um sociopata usaria facilmente a força para agredir alguém se sentisse que seria necessário e ainda camuflaria suas emoções para parecer arrependido. Como advogada tive contato com alguns comportamentos similares.
Resiliência não é o ponto forte de quem sofre com esse tipo de doença.
- Eu fiz tudo por ela e ela vai à delegacia por um único erro? - Entra Henrique, cuja voz ecoa pelo quarto escuro e vazio.
- Não sei do que está falando, então seja claro. - tento parecer indiferente.
- Todos sabem. Estão tentando me crucificar, tirar minha licença. E, por nada. Eu fiz tudo por ela. Tentei estabelecer uma amizade com aquela criança esquisita, aturei as investidas daquele jogador mesquinho sem demonstrar meu ciume e indignação e ainda ajudei naquela organização miserável. - Vocifera andando de um lado para o outro.
Fico em silêncio, pois ainda não sei como me manifestar sem inflamar sua ira. Tenho vontade de gritar "louco", mas me contenho. Não preciso de outro hematoma no rosto.
O silêncio ecoa por todo o ambiente e não sei o que dizer quando ele me encara com promessa de sangue nos olhos. Eu sorrio. Não sei se é uma inspiração ou nervosismo, mas ainda tentarei sair daqui.
- Qual é a finalidade de eu estar aqui? - pergunto. - Você é um homem inteligente. Sabe que se já foi feita a denúncia, o MP irá investigar sua permissão para trabalhar mesmo que Luna retire o processo. - concluo.
- Justamente por isso a trouxe aqui. Quero que me defenda.
- E por que eu faria isso?
- Porque aqueles dois tiraram tudo de você e você precisa de uma ajuda para se vingar?
- Não quero me vingar de ninguém. - Olho para o outro lado do quarto.
- Tem certeza?
- Não sou uma vilã. Não conseguiria fingir tão bem um ódio não sentido para poder escapar de um sequestro. Você bem sabe disso. Ou não teria me amarrado numa porra de quarto macabro e me agredido.
- Você é mais esperta que isso. Darei um tempo para pensar. - sussurra.
- Eu não quero um tempo para pensar. Eu quero que me tire daqui.
- Eu não farei isso. Não depois de tudo que eu sacrifiquei para estar ao lado dela.
- E o que você sacrificou?
- Eu tive que bancar o pediatra legal, altruísta, participativo. Você não tem ideia do quanto isso exige.
- Ah, eu tenho. Tanto é que você decidiu parar de fingir justamente comigo. - o ataco.
- Você não está em condições de insinuar nada. Precisa aceitar que eu decido o que fazer e se não estiver satisfeita com isso, teremos problemas.
Antes que ele pudesse sair. Eu tento uma ponte, uma falsa aliança. Mesmo sabendo a probabilidade disso não funcionar.
- O menino.
- O que é que tem?
- Você disse que ele era esquisito. Esquisito como?
- Eu tinha que fingir melhor com ele. Era exaustivo demais. Ele é muito esperto e muito perspicaz. Quase me pegou em diferentes situações.
- Deve ser uma criança maravilhosa. Só não entendo o porquê fez isso tudo. Por uma mulher? Pessoas como você não amam. Para tê-la só pra si? Ela é independente. Jamais deixaria você ter domínio sobre seu corpo, sua alma ou seu coração. Você já havia percebido isso antes do Rafa chegar. Então por quê?
- Não é da sua conta. - Diz simplesmente virando as costas.
- Covarde!
Henrique se vira bruscamente e aperta meu queixo com força. Eu o encaro profundamente. É só o que posso fazer, no momento.
- Ela tinha o sorriso mais lindo. Fazia eu me sentir uma pessoa melhor. As vezes, só as vezes quando eu estava à sós com ela, eu conseguia ser eu. Sem fingimentos. Só eu.
Ele solta meu queixo com brutalidade e deixa o quarto com passos firmes.
Encaro meu reflexo novamente e vejo que minha face ganhou novas marcas.
Começo a questionar a utilidade de se usar salto alto para um simples almoço com o irmão alguns minutos mais velho.
Começo a questionar o motivo de comprar roupas caras se são inúteis em me proteger da poeira e ainda limitam minha mobilidade, gerando um desconforto.
Gostaria de sentir desespero por ter sido sequestrada por um sociopata filho da puta, mas minha vontade de viver me impede de chorar ou murmurar ou orar ou barganhar. Parece um estupor sem fim. Enfim, no fundo sei que tudo isso seria inútil.
Já devo estar jogada nesse lugar há horas. Minha mãe deve estar louca de preocupação e o inconsequente do Juan já deve ter colocado esse Rio de Janeiro inteiro no cangote desse sujeito. Espero que ele tenha feito isso em sigilo e com cuidado. Dar visibilidade à uma pessoa antisocial pode gerar um desconforto para ela e, me deixar em maus lençóis.
⚽️

VOCÊ ESTÁ LENDO
TOSS
Romance📚 Uma mulher altruísta, dedicada e independente se vê apaixonada por um homem com sonhos que não a incluem e tem que tomar uma decisão importante para que a vida de ambos não sejam sugadas pela imprevisibilidade do amanhã. ⚽️