Culpa

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Rafael conversa com nosso filho o tempo todo, me admira a atenção e carinho que dá a Noah quando percebe que eu não estou bem.

Faço a mãe perfeita e ignoro esse sentimento estranho que está dentro de mim. Maus pressentimentos tem se tornado frequentes e isso me assusta um pouco.

Novamente me auto excluo da conversa e minha mente divaga sobre como Rafael interagia com seus pais.

Isso me enche de angústia, pois ainda não tivemos essa conversa.

Deixamos nosso filho na escola e prestamos queixa na delegacia da mulher.

De início fui bem tratada, mas quando comecei a contar que não tínhamos um relacionamento e como nos conhecemos e como tudo aconteceu, os detetives foram ficando mais na defensiva.

Não senti firmeza, mas saí da delegacia com a sensação de que tinha feito a coisa certa, que Henrique seria intimado, mas o mau presságio persistiu.

Durante todo o retorno para casa fiquei em silêncio.

Não fui mal tratada, nem nada, porém a indiferença daqueles que juraram me proteger me incomodou mais do que o empurrão do Henrique. Duvido que algo vá acontecer à ele e tenho a certeza de que isso irá irrita-lo.

O que me faz questionar se realmente fiz a coisa certa.

Não gosto de fazer esse tipo de indagação, mas preciso ter certeza de onde estou me metendo, se terei forças para lutar até o fim e se nada respingará no meu filho.

Afinal, faço tudo para ele. Não gostaria que ele se lembrasse de mim por ser fraca e não revidar, ou ser conformista e me intimidar, me silenciar.

Tento o máximo que posso ignorar esses sentimentos.

- Ei, não foi culpa sua, tá legal? - tento restabelecer uma conversa com Rafael, pois sem que ele sentiu a mesma dor que eu no momento em que meu corpo colidiu com aquele muro gelado. Seu silêncio tem sido um atestado de culpa e isso eu não vou aguentar.

- É tão difícil não pensar que eu poderia ter evitado.

- Isso está longe da prerrogativa de qualquer um, meu amor. - tento novamente. - Não podemos prever ou antecipar as atitudes das pessoas. Só podemos fazer com que as conseqüências cheguem a elas para que isso não se repita.

- Eu sei. - e aperta minha mão. Tomo seu silêncio como um consentimento, contudo sei que ele ainda se martiriza. Talvez seja só a dor de ver alguém que se ama machucar-se. Nada que eu fale curará essa ferida. Fico otimista, pois lembro que o tempo pode fazer esse favor para mim.

Sinto falta do Rafa espontâneo, irritante e brincalhão, mas lembro que também não sou mais a mesma.

Algumas feridas tem um alcance tão grande que chegam à alma.

Tento não pensar mais no assunto.

Quando viramos  na esquina de casa, Juan está sentado no meio fio e aquilo aperta meu peito de uma forma estranha.

Não me lembro de ter dado meu endereço à ele. Só sei que está na porta da minha casa, ainda vestido com o uniforme do treino e alisando freneticamente os cachos louros.

Rafael aperta minha mão enquanto estaciona e diz que tudo vai ficar bem, mesmo sem saber do que se trata. Involuntariamente, isso me conforta.

Rafa me dá um selinho e sai do carro.

- O que aconteceu? - pergunto, tentando chegar perto de Juan para acalmá-lo.

- Aquele homem é doente! - exclama com as pupilas dilatadas.

- Do que você está falando? - Rafa tenta outra abordagem.

- Aquele pediatra louco que estava com você, Luna, sequestrou minha irmã. Disse que precisava de uma advogada, então a levou. Aquele maldito estava armado e eu não pude fazer nada. - coloca as mãos na cabeça e começa a puxar os cabelos aos montes. Acho um trejeito muito estranho, mas ignoro esse pensamento dada a gravidade da situação. - Vocês ainda estão juntos? - dirige um olhar suplicante à mim.

- Claro que não, Juan. Ele me bateu. - me arrependo instantaneamente de usar essas palavras, pois o melhor amigo de Rafael se desespera ainda mais. - Desculpa.

- Juan. Você estava no CT. Como isso aconteceu?

- Parece que ele tem nos seguido. Ele sabia que vocês prestaram queixa hoje. Então, em vez de ir atrás de vocês ele a levou no restaurante em que estávamos. - coloca as mãos na boca tentando sufocar um grito. - Eu não almocei no refeitório porque ela queria me contar alguma coisa, mas não sei o que era. Ele só chegou lá e eu não fiz nada. - Então é o gatilho que ativa um rio de lágrimas que escorrem pelo seu rosto. Juan é muito mais emotivo que Rafael e isso contribui para que meu coração doa mais. Odeio ver o sofrimento estampado na cara das pessoas que gosto.

- Juan, vai ficar tudo bem. Vamos voltar à polícia. - Me aproximo e aperto seus ombros. Encaro Rafael e ele assente em concordância. Mas seu melhor amigo retira os meus braços e me encara com severidade. - Vamos resolver isso! - prometo obstinadamente, cruzando os braços ao redor do corpo à fim de me proteger da tristeza e hostilidade implícitas no olhar do irmão de Diana.

- Isso tudo está acontecendo por sua causa. - Então ele atravessa a rua, entra em seu carro esportivo e sai em alta velocidade.

- Vamos resolver isso, meu amor. - eu digo, mas já não sei se é para convence-lo ou à mim mesma. A culpa me consome, então repito. - Vamos resolver isso.

Rafael me abraça e apoia o queixo em minha cabeça. Ainda não consegui descruzar os braços. Começo a chorar. Para que acalmar, ele apenas sussura:

- Vamos resolver isso.

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