📚
Assim que entro na sala de estar Rafael me olha de cima a baixo com uma puta expressão de "uau".
- Não precisava disso tudo só para jantar comigo e com Noah.
- Acho que a mamãe está querendo te impressionar, pai.
- Eu amo os dois, mas preciso resolver um compromisso urgente. - Minha gafe é ignorada assim que meu filho abre a boca.
- Mamãe vai jantar com tio Henrique, tinha esquecido de comentar. - Noah sussurra para o pai.
- É, Rafa, eu ia perguntar se você não se importaria de passar o olho no Noah por algumas horas, até eu chegar. - peço, constrangida pela sua indiferença.
- Claro, vou leva-la ao portão.
- Não precisa. - digo.
- Claro que precisa. - impugna. - Filhão, pode colocar o refri na mesa enquanto eu acompanho sua mãe?
- Claro, pai. - Noah se aproxima de mim e me dá um beijo de despedida.
- Daqui a pouco mamãe está de volta. Eu te amo e comporte-se.
- Também te amo e cuidado na rua.
- Tá. - despeço-me e caminho em direção ao portão com Rafael em meu encalço.
- Pensei que não ficaria mais com ele.
- Eu nunca disse isso. - defendo-me.
- Ele te faz feliz, Luna? Pergunta simplesmente.
- Eu não sei aonde quer chegar.
- Eu sei que somos adultos e precisamos ser claros e transparentes. Há uma semana você estava em meus braços e agora vai encontrar o pediatra. Não gosto de joguinhos. - completa.
- É isso que acha que estou fazendo? Ciúmes em você? Meu mundo não gira ao seu redor, Rafael. - aproveito que o Uber se aproximou e caminho até o carro já estacionado.
Assim que bato a porta de trás do veiculo vejo Rafa memorizar a placa, levar as mãos à cabeça, suspirar e entrar em casa. Na minha casa. Em nossa casa. Não deixo de concordar com cada uma de suas palavras e me arrepender de não ter dito o porquê do meu encontro.
--
Pouco mais de 20 minutos chego ao restaurante. Henrique já está parado ao lado da mesa que reservou, esperando-me para me acomodar.
Quando me aproximo ele tenta me dar um selinho, contudo viro o rosto e o beijo gelado encontra minha orelha.
Sinto um calor diferente. Nunca tive tanta certeza do meu amor pelo Rafael como tenho nesse momento.Nunca tive tanta certeza de que jamais sentirei por um homem o que sinto pelo pai do meu filho. Dou um sorriso.
- Está tudo bem, meu anjo? - pergunta, afastando a cadeira para que eu pudesse sentar agradavelmente.
- Claro. - respondo.
- Pedi um vinho pra gente, espero que aprove meu gosto.
- Tenho certeza que adorarei.
- Como está Noah?
- Está ótimo, feliz toda vida com o pai.
- Rafael tem ficado muito com ele.
- Sim, quer "recuperar cada segundo perdido". Palavras dele não minhas. - retruco fazendo aspas com as mãos.
- Entendo. - diz nos servindo o vinho. - Não sabe como eu fiquei ansioso por esse momento durante toda a semana.
- Perdão por isso.
- Imagina. - faz um sinal com as mãos para indicar pouca importância. - Quer pedir algo?
- Sinceramente, Henrique, eu não estou com muita fome e estou aqui porque preciso conversar com você sobre um assunto delicado.
- Sabe que não precisa medir palavras para falar comigo, não é?
- Eu e Rafael decidimos ficar juntos. - praticamente jogo essa bomba em seu colo. - Ou, pelo menos, tentar.
- Como assim? - ele para o copo de vinho à 10 centímetros da boca, me encara e percebo um olhar rude que não havia notado antes. - Ele é casado. Deve ter dito algo para se redimir, mas eu conheço homens desse tipo e sei o que eles querem.
- Entendo sua desconfiança, porém eu me permiti um tempo para pensar se quero ficar sozinha ou dar uma chance ao pai do meu filho.
- E eu não estou inserido nesse contexto? - diz me encarando com vulgaridade.
- Eu sei que pode ser difícil de entender...
- É difícil de entender! Aliás, é fácil: Ele é um jogador de futebol. - me corta. Decido ignorar.
- Mas preciso que saiba que eu reconheço sua participação num dos momentos mais difíceis da minha vida. Sei que é uma pessoa incrível e de boa índole, por isso estou aqui para tentarmos uma ponte para amizade e...
- Eu não quero só sua amizade. Esperei tanto tempo e você nem se quer me relaciona para o jogo? Está me descartando como se eu fosse um nada. - diz terminando o restante do vinho numa golada.
- Eu sei que agora você está com raiva eu compreendo suas imposições, mas...
- Mas nada. Não vou ficar fazendo papel de tolo. - se levanta da mesa num rompante e sai do restaurante.
Fico sentada na mesa consternada.
O garçom me olha e ainda não assimilo o que acabou de acontecer.
Henrique volta para a mesa e joga quatro notas de cem, provavelmente o valor do vinho.
- Você não vale o esforço. - sussurra e vai embora novamente.
Uma parte de mim fica aliviada por ter tirado esse peso da consciência, mas há outra parte que sente empatia e respeito pelo homem que acabou de aprontar esse chilique. Um homem formado, intelectual e calmo que se mostrou extremamente grosso e indelicado. Decidi ser empatica.Aparentemente, nem tudo são flores.
Levanto-me com um sentimento de dever cumprido e aciono o motorista do aplicativo.Fico quieta e com uma sensação estranha durante todo o trajeto.
Desço do Uber e percebo que o carro de Henrique está estacionado na minha calçada, Rafael veio sem veículo, então o médico não sabe que ele está dentro da minha casa.
- Desculpa, eu não quis dizer aquelas coisas. - implora Henrique com as mãos na cabeça e perceptivelmente abalado.
- Tudo bem, Henrique, podemos conversar sobre isso depois. Agora preciso entrar. Não é hora.
- Eu fui um idiota e quase te perdi de novo, eu quase te perdi. Dessa vez eu não vou perdê-la, não vou, por favor me dê outra chance? - praticamente grita as palavras.
- Do que você está falando? - pergunto me afastando perplexa.
- Por favor? - percebo lágrimas de angustia rolarem pelo seu rosto.
- Você bebeu Henrique. É melhor ir embora. - peço calmamente, ele faz exatamente o contrário e se aproxima.
- Eu não bebi. - os lágrimas se contorcem quando ele sorri para mim. Um sorriso de tormento.
- Vou chamar um uber pra você. - quando pego o celular ele aperta o meu braço e me empurra contra a parede no exato instante em que Rafael abre o portão.
Não sei se Henrique tentou me beijar ou se tentou me proteger de algo ou se agiu devido ao nível de alcoolismo em seu sangue ou se ele, de fato, quis me machucar, só sei que eu bati fortemente a cabeça na parede.Coloco as mãos no rosto e sinto a mesma textura insipida que senti há oito anos:
Sangue e desespero e escuridão.
Dessa vez não perdi só a visão, perdi a consciência.
⚽️

VOCÊ ESTÁ LENDO
TOSS
Romans📚 Uma mulher altruísta, dedicada e independente se vê apaixonada por um homem com sonhos que não a incluem e tem que tomar uma decisão importante para que a vida de ambos não sejam sugadas pela imprevisibilidade do amanhã. ⚽️