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- Alô? - atendo.
- Boa noite, Luna. Você nos assustou. Onde esteve? - pergunta a desnaturada da minha melhor amiga. Maria Luiza, o nome da moça.
- Boa noite nada, me deixaram para morrer. Ainda levaram meus documentos e celular. SÃO 18:00hrs, não passou pela sua cabeça ligar antes? Estou em casa há horas, Malu. - praticamente grito contra o telefone.
- Ei, dramática. Voltamos naquele lugar labiríntico, mas não conseguimos te achar. Os guardas e os policiais não aliviaram pra gente, fomos, praticamente, expulsos de novo. Nós a procuramos em hospitais e delegacias antes de voltarmos para casa, estou muito feliz por ouvir sua voz, vaca, você não tem noção. Estou me sentindo super culpada, por tê-la perdido naquele fuzuê. - posso ouvir os suspiros de alívio do outro lado da linha, mas me recuso a dar o braço à torcer.
- Olha, se o Rafael não tivesse aparecido, nem sei o que teria acontecido comigo. Sinceramente. Não quero falar agora. Estou exausta. Amanhã conversamos. - mal ouço sua súplica e já desligo o celular. Sei que foi uma fatalidade, mas ainda estou frustrada com tudo que aconteceu. Amanhã já não sobrará um grão de raiva. Me conheço. E ainda terei que explicar para minha amiga quem é o Rafael.
- Oi, você está bem? - pergunta Rafael, parado no batente da porta, do mesmo jeito que estava hoje mais cedo na enfermaria.
Infelizmente, já estou começando a me familiarizar com suas manias.
- Ficou parado à porta esse tempo todo ouvindo a conversa, fofoqueiro?
- Não, fui até o carro pegar meu kit de primeiros socorros.
- Como assim você tem um kit salva vidas? Está tudo bem com você?
- Comigo está e com você?
Saio de perto do aparelho telefônico, que fica ao lado do livreiro e sento com força na poltrona de frente para TV.
Ele, por sua vez, fecha a porta, coloca o kit "me salva" na mesinha de centro e se esparrama no sofá maior, que está do lado da poltrona.
Ótimo, estou de frente para a TV e ele, de frente para mim.
- Não seja engraçadinho, Rafael. Não hoje.
Puxo as pernas para cima do sofá e as abraço, tentando achar um ângulo para encará-lo, tal qual está fazendo comigo neste exato momento.
- É só uma bolsa que carrego com roupas extras. Nunca sei quando vou precisar sair, dormir num hotel, fugir de alguém. De algum torcedor lunático, por exemplo, ou simplesmente cair em esquecimento numa pousada qualquer. Tem até pijamas, quer ver? Aposto que são melhores que os seus. Sem contar no meu kit higiene.
- Prefere chamar sua nécessaire de "kit higiênico ou kit de primeiros socorros" à ter que chama-la pelo seu nome verdadeiro: nécessaire. Francamente. - dou um sorrisinho.
- Ei, tem muita coisa em jogo. Não costumo subestimar minha virilidade. - brinca ele.
- Nunca imaginei um homem de quase 2m de altura caçoando abertamente de sua masculinidade.
- Você não me conhece mocinha. - aquele precioso sorriso de canto ataca novamente.
- Tudo bem, tudo bem. Obrigada por se preocupar. Sobre o telefone: estou mais calma. Só quis parecer dramática para não se repetir o abandono deles em militâncias futuras. Mas já até perdoei. - esclareço.
- Por que isso não me surpreende?
Ele toca minha testa com o indicador e é tão alto que mal precisa se mover do sofá para isto.
Surpresa, levando o olhar.
- Não entendi.
- Você é muito linda para ficar com o cenho franzido o tempo todo.
- Não era sobre isso que eu estava falando e não sou turrona, não.
- E porque está com essas sobrancelhas enormes juntas, então?
- Minhas sobrancelhas tem o tamanho ideal.
- Quatro anos e rugas de expressão desenharão sua face.
- Aposta feita!
Estou começando a me acostumar com esse jeito de nos comunicar.
Ele se levanta, pega a mochila e a nécessaire e avisa que vai tomar banho. Praticamente me obriga a escolher um filme para assistirmos.
Fico com medo dele querer ir embora agora que os tiros cessaram, uma vez que nem é tão tarde assim.
Então escolho um de ação qualquer. Ele deve gostar de filmes assim. Com mais barulho do que conteúdo.
Espero.
Espero.
Esfrego as mãos.
Bebo água.
Abro a geladeira.
Fecho a geladeira.
Abro a geladeira.
Pego o chocolate.
Mordo o chocolate.
Coloco-o de volta na geladeira.
Fecho a geladeira.
Abro a geladeira.
Bebo água direto do gargalo.
Pego o chocolate.
Fecho a geladeira.
Sento em minha poltrona, que é extremamente confortável e já tem até o meu cheiro impregnado.
Parece que não o vejo há horas, mas na verdade, ele tomou um banho de gato. Nem 15 minutos se passaram e, para piorar, nem uma pipoca eu fiz.
Ouço o barulho da porta do banheiro se abrir, logo em seguida o cheiro de sua colônia invade o recinto.
Ótimo, o pijama dele se resume à calção embaixo e nada em cima.
Estou em apuros.
E, não vamos esquecer: o cara é um jogador de futebol.
Praticamente nasceu para vencer um jogo.
E de que jogo estamos falando?
De que porra eu tô falando?
Saiu a cegueira e entrou a loucura. Só pode.
Não vai rolar nada, pelo amor de Deus.
Ele me ajudou porque é altruísta, não?
Não tem nenhuma atração aqui.
Nos conhecemos hoje. Pelo amor.
Reviro os olhos.
O que eu vou fazer?
Que tipo de liberdade deixaria - o estranho anônimo, não tão anônimo assim, famoso astro do futebol de campo, que não é zagueiro, porque quando a minha visão melhorou eu o reconheci instantaneamente, - o craque e atacante do time, tomar?
- Você costuma falar, gesticular e se expressar sozinha?
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TOSS
Romance📚 Uma mulher altruísta, dedicada e independente se vê apaixonada por um homem com sonhos que não a incluem e tem que tomar uma decisão importante para que a vida de ambos não sejam sugadas pela imprevisibilidade do amanhã. ⚽️