II - Imortal

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CASSIE

 Já fazia dois dias. O garoto que caíra do céu estava desacordado havia 48 horas. Julio e Clarisse estavam preocupados, mas eu estava apenas... curiosa. Ninguém cai do céu assim do nada. Será que ele havia caído de cima de um prédio vizinho? Mas como ele ainda estaria vivo? Eram perguntas que ficava me fazendo. E já estavam me enlouquecendo.

 - Você acha que ele vai acordar logo? - Clarisse perguntou, como se estivesse falando de um parente.
 - Está ansiosa? - provoquei.
 Ela deu um soco de brincadeira no meu ombro. Ri. Mas não podia mentir: o garoto era lindo. Ele irradiava uma energia estranha que eu não conseguia descrever. Era como se tivessem aberto uma janela num dia de neve: dependendo da situação, dá felicidade (aquela empolgação porque você vai faltar aula e começar a fazer bonecos de neve), ou preocupação e algum tipo de medo (como se o carro já estivesse atolado de neve, e não desse para sair na rua). E o rapaz era dono de uma beleza de fazer muitas das patricinhas minha escola suspirarem e desmaiarem. Ele tinha cabelos loiro-platinados, com cachos que se desfaziam ao chegar às sobrancelhas. Uma vez, em uns poucos segundos que ele abriu os olhos, ameaçando acordar, consegui ver olhos azuis, gélidos como o Pólo Norte, mas, ao mesmo tempo, confortantes. Os lábios eram finos e pálidos. Ele tinha a pele levemente bronzeada, e, o mais estranho: ele usava uma túnica grega, presa apenas em um ombro.
 Eu já havia cedido o meu quarto para o garoto, mas apenas por que a dona da casa não era eu. Se fosse por mim, aquele garoto estaria agradecendo se tivesse o sofá. Não me agradava nem um pouco dormir na sala. Aquele rapaz estranho teria que dar ótimos motivos a mim para não ser chutado para fora.
 - Esse pobre jovem devia estar voltando de uma festa à fantasia - deduziu Julio. - Um raio deve ter caído, se não nele, muito perto.
 - Mas eu já falei: ele caiu do céu - insisti. - Eu mesma vi! Com estes mesmos olhos!
 - Mas isso é impossível! - Clarisse levantou as mãos, impotente. - Ninguém cai do céu!
 - Fale isso para ele então!
 Clarisse emburrou, brincando.
 - Meninas, venham cá - Julio chamou.
 Nós duas corremos para lá; para onde o estranho garoto estava.
 - O que foi? - perguntei. - Ele morreu?
 Clarisse me deu uma cotovelada.
 - Não fale isso! Claro que ele não está morto, olhe!
 Fixei o olhar no rapaz. Percebi, então, que ele começava a abrir os olhos e a se mexer.
 - Será que ele não está estrebuchando? - arisquei de novo.
 Clarisse me deu um olhar irritado.
 Estou sendo apenas realista, pensei irritada.
 E então os olhos se abriram subitamente, e todos deram um pulo para trás.
 - Mãe! - foi a primeira coisa que o garoto gritou. Ele se sentou e correu os olhos pelo quarto, e parou em mim.
 - Eu não sou a tua mãe - informei, cruzando os braços.
 - Não... - ele murmurou, deitando novamente, como se tivesse se lembrado de algo. - Não!
 - Você tem certeza de que ele não é biruta? - sussurrei para Julio.
 - Vamos ter paciência - ele falou calmamente. - Qual seu nome? - perguntou ao garoto.
 - Eu sou Alyon, o... o... - ele esfregou as têmporas, frustrado. - Ah, claro. - ele resmungou, num tom quase inaudível: - Deveria me chamar de Alyon, o Azarado.
 - O que? - perguntei. - Quem é você?
 - Já disse: sou Alyon.
 - Sim, você já falou isso. Quero saber o que é você.
 - Cassie! - Clarisse me censurou. - Sua modéstia foi carregada pelo vento?
 - Foi. Ela já deve ter esbarrado em um infeliz desavisado qualquer.
 - Mas ela fez uma pergunta valida - Alyon concordou. - Só não sei se devo confiar...
 - Em nós? - disparei. - Olha aqui Alyon, nós estamos "cuidando" de você há dois dias. Eu cedi o meu quarto, horas de sono e a minha boa vontade. Se ainda não estiver convencido, a porta é logo ali.
 Julio colocou a mão no ombro de Cassie.
 - Querida...
 - Não, a mortal está certa - Alyon suspirou. - Eu venho do Olimpo, sou um Imortal.
 O meu queixo caiu - não literalmente. Por que diabos eu estava acreditando? Será que o raio caiu perto demais de mim e afetou o cérebro? Será que estava enlouquecendo? Se não, por que acreditava? Algo enorme dentro de mim urrava um "sim!".
 - Pai, liga o carro - Clarisse pediu. - Ele realmente precisa de um medico muito bom.
 - Ah, vocês conhecem Asclépio? - Alyon perguntou. - Me desculpem, mas ele não poderia estar no seu mundo agora.
 - Rápido - Clarisse acrescentou, olhando para o pai, e apontando para as chaves do carro na bancada. - O raio afetou a cabeça dele.
 O garoto estranho olhou para cima.
 - Raio? - ele apertou os olhos e fez uma careta. - Muito engraçado, Júpiter... Júpiter! Lembrei! Onde está Lupa? Ela esta bem?
 - Lupa? - Julio repetiu. - Tem mais como você? Quer dizer... Ah, esqueça. Como você está se sentindo?
 - Eu não vou sentir mais nada se não encontrar Lupa!
 - Sua namorada? - arrisquei.
 Ele gargalhou.
 - Vocês devem estar brincando...
 - Certo, Clarisse - falei. - Esse cara precisa ser examinado por um bom psiquiatra... ou pela NASA. Talvez os dois.
 - Eu não entendo essas palavras estranhas - Alyon inclinou um pouco a cabeça. - Eu não compreendo porque estão confusos, se já disse tudo o que me perguntaram.
 - Você precisa descansar - Julio decidiu. - Amanhã decidiremos o que fazer... com esse rapaz. Vamos, meninas.
 - Vão na frente - pedi. - Estou indo. Me dêem um minuto.
 Clarisse sorriu radiante, para mim. Torci o nariz.
 Não havia necessidade, mas depois de sair Julio fechou a porta. Aquilo não me agradou, mas não deixei transparecer.
 Olhei para Alyon, a expressão dura, e tentei ignorar o fato de que os olhos dele agora haviam mudado de cor - deixando o azul e assumindo um tom esverdeado, com borrões amarelos, como se fosse uma floresta correndo nas íris. Olhando agora, o garoto não parecia ter mais que dezesseis anos.
 - O que está acontecendo? - perguntei devagar, enfatizando cada letra. - Eu vi a tempestade. Ela parou pouco depois que você... hum... caiu aqui. Algo de ruim está acontecendo, não está? Algo muito ruim?
 - Como você sabe? - ele perguntou tenso. - Quem é você?
 - Meu nome é Cassie. O resto não importa.
 - Mas você parece humana.
 - É mais do que óbvio que sou humana. Mas você...
 - Eu sou um deus! Sou um olimpiano!
 - Então prove - falei calmamente.
 - Como?
 - Deuses têm poderes. Se você é um deus...
 Alyon levantou uma mão com a palma para cima, e começou a formar um símbolo de gelo, pouco a pouco. Quando estava pronto, Alyon jogou o símbolo, não maior do que uma medalha, para mim.
 - O que é isso? - perguntei. Tinha uma águia entalhada no meio, com detalhes minuciosos.
 - O símbolo do Olimpo - Alyon respondeu simplesmente. - Minha mãe é Aura, deusa da brisa de inverno. Já acredita em mim?
 - O pior é que sim...
 - Graças a Júpiter!
 - Eu tenho que ir agora, mas essa conversa não terminou ainda.
 - Mas eu preciso ir embora! - ele protestou. - Preciso achar Lupa! Preciso voltar para o Olimpo!
 - Eu não sei quem é Lupa, nem onde fica o Olimpo. Mas vão ter que esperar. Aquela tempestade significou alguma coisa. E até eu descobrir, você fica aqui.
 - Por quê?
 - Porque você é o olimpiano, não eu.
 - Tem certeza?
 - Tenho! Eu tenho certeza!
 Andei até um guarda-roupa em um canto do quarto. Descobrira a algum tempo que lá havia roupas de vários tipos e tamanhos - talvez de primos ou tios da Clarisse.
 Peguei um jeans, uma camisa e um moletom.
 Joguei em cima da cama.
 - Vista isso.
 - Qual o problema com a minha roupa? - Alyon perguntou, olhando para a sua túnica grega.
 - Não sei se alguém já te avisou, mas no meu mundo, ninguém usa isso. Essas são as roupas de um adolescente normal.
 - Mas eu não sou adolescente normal.
 - Realmente. Você tem quantos anos? Dezesseis?
 Ele gargalhou.
 - Se você soubesse a minha idade...
 - Qual?
 - Sinceramente? Não tenho certeza. O tempo no Olimpo é diferente. Mas tenho certeza de que sou muito mais velho do que você imagina.
 - Com certeza é. Vá lá para a sala quando estiver pronto. Precisamos esclarecer algumas coisas.
 - Vocês têm ambrosia? Ou néctar?
 - Não faço idéia do que seja isso.
 - Seu pai ou sua irmã não tem suprimentos de ambrosia para emergência?
 - Em primeiro lugar: não. Em segundo: eles não são meu pai e minha irmã. São meus amigos. Clarisse e Julio Martinez.
 - Então onde estão seus pais?
 - Eu não tenho.
 A conversa acabou ali. Saí do quarto mais mal-humorada do que antes.
 - E aí? - Clarisse perguntou. - Alguma novidade?
 - Além de que ele é um deus do Olimpo? - disparei. - Não, nenhuma.

Em Busca da Origem - As Portas de HadesOnde histórias criam vida. Descubra agora