VIII - Sonhos Reais

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CASSIE

 Corra. Corra, ele não pode te alcançar.

Eu estava correndo. O cão de três cabeças era imenso, quase o dobro do tamanho de um elefante. Ele tinha uma pelagem lupina, e negra como a escuridão, sem nem um tom mais claro ou mais escuro: apenas preto, o preto mais preto que eu já havia visto. Olhos vermelhos se fixavam em mim. As três cabeças latiam e rosnavam. Ele ameaçava alcançar-me. Eu sabia que não podia parar por nada.

Meus pés descalços nas pedras e no cascalho? Eu podia ignorar.

O vento cortante, batendo contra mim e fazendo-me tremer? Sem problemas.

Meus pulmões ardendo, buscando ar? Eu podia aguentar aquilo.

A regra era simples: não pare.

Cérbero se aproximou mais. Eu podia sentir sua respiração pesada. Perseguindo-me como se fosse um ratinho.

Vá embora. Deixe-me chegar às Portas. Deixe-me salvar meu mundo.

Olhei para frente. Precisava de um penhasco. Algo alto. Aquilo seria minha salvação. Se pudesse abrir as asas...

Ouvi mais gritos de monstros. Tudo estava me perseguindo. Eu não aguentava mais manter o passo. Logo me pegariam.

Corra. Você é mais rápida que eles. Pode fazer isso. Fuja.

E então, o som de água caindo. Uma cachoeira? Por favor, por favor, aquilo seria perfeito.

As vegetações rasteiras raspavam meus tornozelos, suor escorria por meu rosto. Eu mirei em frente, e vi o penhasco.

Sim!

Não... Não, não isso.

Se fosse apenas um penhasco... Mas a cachoeira que jorrava dele, com o lago logo ao seu lado... O Aqueronte. O rio da Dor. Ele despencava em uma queda sem fim.

Parei, derrapando, jogando cascalho longe. Cérbero e os monstros estavam perto; atrás de mim.

Na frente, a queda para a morte certa.

Nenhuma opção era atraente.

Encarei a queda.

Cérbero latia convencido. Ele havia me encurralado.

Não tinha escolha, de qualquer forma. Jamais deixaria aqueles malditos me pegarem.

Estiquei os braços, e me deixei cair. Ouvi os rosnados e latidos frustrados. E fui tomada pela total e completa paz. Estava caindo. O vento batendo no rosto. A água ao meu lado. E então... vush!

Minhas asas se abriram. Comecei a voar, já vendo mentalmente as Portas de Hades. Eu estava livre dos monstros. Agora bastava voar. Estava livre de Lycaon.

Ainda não é minha hora, pensei.

– Cassie.

Abri os olhos, e uma dor de cabeça terrível me invadiu. Fora um sonho. Apenas um sonho. Olhei para Alyon e Clarisse, encarando-me preocupados. Já era dia lá fora.

– Cassie – Clarisse me ajudou a sentar. – Você está bem?

Esfreguei as têmporas.

– Sim – menti. – Sim, por quê?

– Você estava... hum... murmurando e se contorcendo aí.

– Estou bem – repeti. – Algum sinal de Lycaon?

– Uivos – Alyon relatou. – Estão perto.

– Temos que ir andando. Alguém tem idéia de onde estamos?

– Em algum lugar perto de Tampa – informou Clarisse. – Em algum parque nacional; talvez o Everglades.

Me levantei cambaleando, e quando fiquei de pé, Alyon e Cassie me encararam como se houvesse uma aranha na minha cabeça.

– O que foi? – perguntei, torcendo para realmente não ser uma aranha.

– Cass, tire... a jaqueta – Clarisse aconselhou.

– Mas que diabos... – comecei, tirando a jaqueta jeans. Prendi a respiração quando vi os rasgos nas costas, onde minhas asas estiveram na noite passada. – Mas que [insira o palavrão de sua preferência aqui]!

– Olhe pelo lado bom, você pode estar criando uma nova moda!

– Ah, obrigado! Por que eu sempre liguei mesmo para a moda!

Clarisse encolheu os ombros e deu um sorrisinho. O.k, eu ri.

– Vamos andando – falei. – Temos que sair desse parque. Se matarmos um lobo de Lycaon, é capaz de sermos presos por caça ilegal ou algo assim.

– Eu sou filho do deus dos animais – Alyon observou. – Não tem nenhum privilégio?

– Além do hospício? – Clarisse indagou. – Não. Ninguém fala por Júpiter! hoje em dia. Nem... er, cremos nos deuses gregos. Sem ofensas.

– Não me ofendi.

Vesti a jaqueta, agora rasgada. Estava frio, era inverno, e o vento estava cortante. Apenas Clarisse e eu parecíamos senti-lo. Alyon nem ligava. Argh, deuses.

– Então? – Clarisse perguntou. – Para que lado vamos?

– O que você acha? – perguntei com sinceridade.

– Lá – ela apontou para a direção de uma planície. – Deve ter estradas por lá. Os visitantes usam para a caça legalizada. Se dermos sorte, pegamos uma carona. Se não, podemos ser atacados por um rinoceronte. Vamos!

Alyon e eu nos entreolhamos, mas não demos uma palavra. Clarisse virara nossa guia. Ao menos alguém ali tinha certeza de algo.

Enquanto caminhávamos, me forcei a contar o sonho que tivera. Era real demais. Eu ainda sentia os pés doerem por causa das pedras. Isso não era normal.

– O.k, você estava procurando as Portas de Hades? – Clarisse perguntou. – E o cachorro de três cabeças de Hades...

– Plutão – Alyon corrigiu.

– O cachorro de três cabeças de Plutão, Cérbero, estava te perseguindo... Por quê?

– Por que não? – dei de ombros no meio da frase. – Não sei. Estou com dor de cabeça.

– Lamento, nesse caso. Receio que esteja sendo importuno – uma voz que eu infelizmente reconheci falou: Lycaon. – Acho que essa é a parte que vocês correm.

Em Busca da Origem - As Portas de HadesOnde histórias criam vida. Descubra agora