XIX - A Semideusa

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CASSIE

 Ouvi Lupa soltar um ganido baixo e fazer uma breve reverencia, assim como Alyon.

– Plutão – murmurei.

– Você sabe quem é ele? – Alyon perguntou baixinho, com a mão no meu ombro.

– É claro que ela sabe – Plutão olhou para mim. – Está no sangue dela, mais do que ela imagina – ele voltou o olhar para Alyon. – Olá, Alyon. Vejo que está mais bem acompanhado do que eu imaginava – ele correu os olhos pelo grupo e parou em mim. Ele se abaixou em um joelho, sem ligar para o chão sujo, e me olhou nos olhos. – Sabe quem eu sou, criança?

– Você é Plutão – falei, como se fosse uma criancinha de sete anos.

– Além disso.

– Rei do Mundo Inferior, deus dos mortos e de tudo que está debaixo da terra.

– Imaginei que fosse responder isso.

Ele se levantou, e começou a andar de um lado para o outro.

– Como está sua mãe? – perguntou.

Aquilo me pegou desprevenida como um tapa na cara.

– Minha... a minha... eu não...

– Entendo – Plutão falou calmamente, me poupando de gaguejar por mais nove minutos. – Ela mudou demais, Audrey não é mais a mesma pessoa – ele suspirou, como se aquilo o machucasse por dentro; um machucado antigo, como uma marca feita com ferro quente, que não havia cicatrizado ainda. – Imagino que tenha lembranças boas dela, antigas?

– Faz seis anos – sussurrei. – Claro que me lembro.

Eu sabia que estava na presença de um deus, mas não me sentia nem um pouco na obrigação de me curvar, ou ser formal. Ali, naquele beco escuro, com um cara que eu conheci há cinco minutos, por que eu me sentia confortável?

– Sei – Plutão parou de andar, e me encarou com aqueles olhos profundos. – Você mudou de vida como queria? – ele olhou rapidamente para os outros atrás de mim.

– Sim... Espere – encarei ele. – Como você...

– Cassie – Alyon começou, colocando a mão no meu ombro. Ele olhou para Plutão, com um olhar ao mesmo tempo acusatório e decepcionado. – Lembra do que eu te falei...

Dei um passo brusco para trás, mas a mão de Alyon permaneceu no meu ombro, o que, para mim, foi um alívio. Eu precisava desesperadamente saber que mais alguém era real. Meu coração estava a mil, minha respiração acelerada.

– Do que ele...

Levantei a mão, pedindo que Clarisse parasse de falar. Encarei Plutão, imaginando se minha expressão estava tão amarga quanto eu me sentia. Eu começava a notar nossas semelhanças. Ele tinha os mesmos olhos dourados, do jeito que os meus ficavam vez ou outra, tinha a postura rígida que eu me esforçava para manter, a expressão séria no rosto, mas que sorri com tanta facilidade com que respira, e a dor antiga nos olhos. Era como me olhar em um grande espelho, um espelho que eu queria quebrar, mas era incapaz de fazê-lo, porque há anos eu queria me olhar nele.

– Por que só hoje? – foi só o que consegui sussurrar. A idéia de Plutão ser meu pai estava sendo tão atraente quanto chupar limão. Engoli os soluços se formando na minha garganta, e a fúria começou a crescer no meu peito. – Você por acaso se deu ao trabalho de, nos últimos seis anos, olhar ao menos uma vez para mim e pensar em ajudar? Já viu pelo que eu tive que passar? Porque, uau, é um bocado ruim ter que viver sozinha por tanto tempo! Já pensou na possibilidade de vir falar comigo antes? Esse é um momento muito conveniente mesmo!

Em Busca da Origem - As Portas de HadesOnde histórias criam vida. Descubra agora