XLII - O Sonho

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CASSIE

 Eu sou uma idiota, nunca deveria ter dormido. Para quê? Para ser engolida por aquele maldito pesadelo novamente? É muita sacanagem. Mas era o mesmo... o mesmo que tive no edifício pouco antes de sair e procurar Clarisse e os outros. O mesmo que eu evitei com tanta dedicação. Mas era ele, o mesmíssimo sonho – ou pesadelo.

Eu estava dentro de uma floresta escura, com árvores altas e sombrias, que criavam sombras estranhas e fantasmagóricas no chão negro de terra; eu ouvia o pio agudo de um pássaro, e os arbustos pareciam farfalhar. Minhas asas batiam constantemente em árvores, culpa da estreita trilha por onde eu seguia. Me questionava do porque estava ali, afinal de contas, naquele lugar escuro, frio e assustador. E então a lembranças das Portas de Hades me atingiram como uma bola de canhão. Sempre que uma abertura sob as copas das árvores aparecia, eu podia ver, à minha esquerda, um enorme muro de tijolos vermelhos escuros, desgastados pelo tempo impiedoso, e eu sabia que estava ao lado do Tártaro. E perto das Portas. Era isso que me induzia a seguir, a continuar, a ignorar aquele vale sombrio. Não havia ninguém comigo, Alyon, Clarisse, Dylan, Silena, Lupa ou Noah; eu estava sozinha, apenas com a adaga em punho, que eu apertava com força na mão, as palavras Senatus Populusque Romanus brilhando e reluzindo à pouca luz. Olhando para cima, tudo o que eu desejava era ver os costumeiros corvos, mas eles não estavam ali. No reino de meu pai, tão perto dele quanto nunca, e ainda assim com a sensação de que, pela primeira vez, ele não me via, nem tinha poder para me ajudar.

À frente, apertei os olhos e vi um movimento. Sim, decididamente havia alguém pertíssimo de mim. Seria algum dos meus amigos? Seria Melinoe? Seria... Seria Lycaon?

Engoli em seco e dei mais alguns passos, amaldiçoando os malditos coturnos que definitivamente não haviam sido feitos para lugares silenciosos. Os saltos muito baixos e quadrados quebravam galhos e esmagavam folhas; um terrível barulho de sucção ecoava cada vez eu pisava acidentalmente em uma poça d'água.

E então, quando estava mais próxima, vi novamente o movimento, acompanhado de um vulto negro e alto. Prendi a respiração ao dar mais três passos e a imagem ficar clara subitamente: era Luke, o irmão gêmeo de Silena, mas ele não estava sozinho... Estava parado à minha frente, segurando à sua frente alguém muito menor... Oh, céus, era Noah. Fiz menção de correr até ele mas percebi, horrorizada, a adaga que Luke segurava firmemente contra a garganta de Noah, e o garotinho tinha um olhar apavorado no rosto.

Minha respiração rapidamente acelerou, minhas mãos suaram segurando a adaga e minhas asas se mexiam involuntariamente, desconfortáveis. Me concentrei no rosto de Luke quando ele falara, com uma voz forte e retumbante.

Escolha.

Escolha? – repeti, dividindo o olhar entre Noah, a adaga em sua garganta e Luke. – Escolher o quê?

A risada seca de Luke ecoou de modo assustador, me fazendo recuar meio passo.

– Escolha: – ele repetiu – o garoto sai ileso daqui, mas você vem comigo. Ou prossiga, e tem a minha palavra de que ninguém a importunará até chegar às Portas... mas o filhote aqui já era.

Encarei Luke nos olhos, e o brilho que havia neles não era humano, com certeza, mas sim selvagem e cruel.

– Não – sussurrei, decidida.

– Não? – Luke repetiu. – Não o quê?

– Eu não vou escolher – respondi baixinho, mas com a voz firme. Nenhuma das sugestões estava dentro de questão. Era como decidir entre um irmão mais novo e dois mundos inteiros. Não havia jeito de eu escolher um ou outro, simplesmente isso. – Nenhuma das duas opções. Essa é minha resposta final.

Em Busca da Origem - As Portas de HadesOnde histórias criam vida. Descubra agora