V - Olhos Cintilantes

70 7 56
                                    

CASSIE

 Não era Lupa. Isso ficou evidente quando uma voz latiu – parece estranho, mas imagine como chamar suavemente, com falsa bondade, só que esse som vindo de um cachorro, misturado com rosnado:

– Sinto cheiro de olimpianos... – a voz era definitivamente masculina.

– Corram – Alyon sussurrou, num tom de urgência.

Eu, francamente, queria rir. Aquilo era tão típico de mim. Quando eu começo a me sentir feliz num lugar, a finalmente pensar: ei, gosto disso. Então algo surge das profundezas e acaba com tudo. Ou a polícia. Ou alguma pessoa. Uma fuga forçada. Ou o universo novamente declarando que me odeia. É hilário – mas no fundo eu quero chorar.

Começamos a correr silenciosamente pelos corredores, em direção à saída.

– Esperem aqui – Clarisse falou do nada. – Vou buscar uma coisa. Encontro você na saída.

Antes que eu pudesse argumentar, minha amiga saiu correndo. Ela estava com a cesta de morangos – por que diabos ela não largou?! -, e logo sumiu em meio os corredores.

– Venha – Alyon chamou.

– Você sabe quem está nos perseguindo? – perguntei.

Me perseguindo. Eles sabem que estou aqui.

– Quem?

– Ah, ele não me apresentou? – um homem apareceu no fim do nosso corredor, bloqueando a passagem.

Me virei instintivamente para trás: havia lobos lá também. Cães enormes e negros; negros como ébano. Os olhos eram azuis, e literalmente brilhavam. Olhei para frente de novo. Mais lobos haviam se juntado ao sujeito de antes. O cara era alto, e se limitava a uma calça jeans preta. Nada de camisa. Apenas o peito nu, cheio de cicatrizes, mas, apesar disso, era bem musculoso. O rosto do cara que era o pior: cabelos negros, compridos e podres de sujeira (como o resto do homem. Ele precisava de uma ducha), e um olhar frio, de congelar qualquer um. Havia um sorriso malicioso na cara.

– Lycaon – Alyon rosnou. Ele puxou uma adaga de prata da cintura (eu não sabia da existência dela até então), e apontou para o homem. – Veio procurar carcaças para seus vira-latas?

Lycaon estalou a língua.

– Garoto, garoto – ele veio se aproximando; os lobos começavam a rosnar. Àquela altura, já sabia que todos estavam fora do supermercado... menos nós. – Meus filhos estão apenas com fome.

– Não há comida para vocês aqui – falei, num tom de voz determinado que me surpreendeu. (E, sim, captei a ironia da frase, sendo que estávamos em um mercado.)

– Achou uma nova sombra onde se esconder, Alyon? – Lycaon provocou. – Uma humana? Francamente... isso me decepciona um pouco. Faz perder parte da diversão.

– Não seja por isso – Alyon rosnou. – Venha, lute comigo que eu lhe monstro como abater um cachorro.

O homem rosnou. Eu sabia que ele era problema. E os lobos iam ficando mais ousados, se aproximando, rosnando e salivando. Loucos para matar.

– Isso poderia ter sido mais pacifico – Lycaon lamentou.

Qualquer pensamento de partir para cima deles se esvaiu rapidinho quando todas – olhe que surpresa! – as latas das prateleiras simplesmente voaram em direção aos lobos e ao homem sem camisa. Aquilo deu tempo para Alyon e eu corrermos.

– Adeus, babaca! – gritei provocadora.

Fui tomada por uma adrenalina que fazia meu sangue ferver. Todos meus sentidos estavam apuradíssimos, e meu cérebro estava trabalhando feito louco. O coração batia a mil, mas um sorriso estava estampado no meu rosto.

Em Busca da Origem - As Portas de HadesOnde histórias criam vida. Descubra agora