CASSIE
Caminhamos até a lua estar no seu auge, sempre seguindo na direção de Arizona, onde aparentemente se encontrava a Porta de Hades que dava acesso ao Mundo Inferior, que finalmente nos levaria até a Porta principal e, eventualmente, até Melinoe. Segundo Silena, o plano de Lycaon era levar Noah para o Hades, mas se recusou a dizer mais que isso. Então, tudo, de um jeito ou de outro, nos levava ao reino de meu pai. E é claro que eu havia notado, desde que saí da papelaria de Anaideia, que corvos nos acompanhavam pelo céu. Eu imaginava Plutão nos observando pelos olhos das aves, ou elas retornando – de alguma maneira – para seu mestre e relatando tudo. Isso me dava uma estranha sensação de felicidade, saber que um deus estava sempre olhando por mim, e que inclusive era meu pai, me olhando, lá de seu trono, quando poderia estar julgando seus mortos ou fazendo seu papel de rei. Era bom me sentir querida por Plutão, e melhor ainda me lembrar que já era muito querida pelos meus amigos ali, e eu pensava se eles sabiam que o sentimento era recíproco. Sim, estou falando de sentimentos, e daí? E, sim, me lembro muito bem que falei há algum tempo que sou "dura como pedra", mas veja bem: pedras não choram, e se pedras não choram, pedras não são capazes de sentir dor ou saudade, e se ela não pode sentir isso, não tem a capacidade de sentir sentimento algum, o que significa que não tem coração ou alma, incapaz de sentir ou amar, e com o tempo descobri que quem é sempre desse jeito, simplesmente não é feliz. E eu queria ser feliz acima de tudo, nem que isso me custasse sacrifícios, e abandonar meus antigos hábitos e vida não são nenhum braço meu sendo arrancado.
Caminhamos por tanto tempo, que já era duas da manhã mais ou menos quando pegamos uma estrada e Las Vegas ficou para trás. Às quatro e meia chegamos, a passo rápido, ao cenário árido do Arizona, com montanhas, árvores, pequenos cânions e chão de areia batida, ou terracota, e saímos da estrada. Porém, embora cansados da caminhada, tentávamos manter o clima animado e pra cima. Mas começamos a murchar quando o cansaço da noite e os ocorridos do dia recaíram sobre nós. Trocamos histórias do que tinha acontecido com cada um, e Dylan ficou ainda mais mal-humorado depois do relato de Clarisse e Alyon. Enquanto eu narrava preguiçosamente o que acontecera na papelaria, nem notei quando havia falado, sem perceber ou me importar, que Anaideia, a daemon, tomara a forma de Audrey. Ninguém falara nada, mas notei que me lançaram olhares solidários e cheios de significados que eu não quis conhecer. Estava cansada das pessoas sentindo pena de mim, eu não era nenhuma coitada precisando dos olhares penosos dos alheios. Entrementes, tudo ficou em silêncio, e o mesmo se seguiu até as cinco da manhã beirar nos alcançar.
Extremamente entediada e cansada, fiquei murmurando baixinho as músicas que me vinham à cabeça aleatoriamente. Nenhuma interessante, mas me surpreendi quando me vi cantando Skyscraper. Essa música era particularmente uma das minhas favoritas, porque ela me descrevia de alguma maneira. Levantei a voz um pouco, para que eu pudesse ouvir claramente a letra, e não apenas vagos murmúrios. Eu não era nenhuma Katy Perry, mas volta e meia alguém dizia que eu tinha uma voz bonita, o que francamente nunca me foi de nenhum adianto, porque eu não tinha lá as razões para cantar, antigamente. Mas naquele momento eu não vi porque não. E apesar de eu estar exausta e um pouco sonolenta, minha voz saiu melodiosa e natural como de costume:
"You can take everything I have
You can break everything I am
Like I'm made of glass
Like I'm made of paper
Go on and try to tear me down
I will be rising from the ground
Like a skyscraper!
Like a skyscraper!..."
Não notei que cantara realmente alto, apenas quando todos estavam olhando para mim, alguns sorrindo como se me vissem pela primeira vez em anos, outros – Silena – com meio desdém meio enojo, como se a idéia de alguém se igualar a ela em algo fosse repugnante. Isso me fez sentir ainda melhor. E para minha surpresa, Clarisse continuou a música, com sua voz suave, me cutucando para seguir a letra.
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Em Busca da Origem - As Portas de Hades
Fiksi RemajaNão quero fazer parte desse mundo... Mas acho que não tenho escolha. A história gira em torno de Cassie, uma garota com sérios problemas com a mãe - e com o mundo -, mas, após uma de suas muitas fugas, em uma tarde de estranha tempestade (afinal, é...