XXXVI - Escolhas Impossíveis

22 2 0
                                    

ALYON

Depois de meia hora Alyon começou a realmente se preocupar. Noah dormia silenciosamente, escorado em Clarisse, que passava o braço pelo garotinho para aquecê-lo. Lupa continuava isolada de todos, e Alyon tentava de todas as formas entender o que fizera com ela. Tentara muitas vezes falar com a loba – em voz alta e em pensamento – mas não obtivera resposta alguma além do silêncio. Clarisse falava pouco, fazendo comentários regulares, de cinco em cinco minutos, mas apenas murmúrios e muxoxos. Alyon se levantava a cada dois minutos, espiando a saída do beco, tentando disfarçar sem muito sucesso, sua ansiedade. Por mais que tentasse manter os pensamentos negativos afastados, imagens passavam constantemente por sua cabeça: Lycaon encontrando Cassie e Dylan, praticamente desarmados; Melinoe despejando sua ira sobre os dois; Dylan se revelando um traidor e... Não. Isso não seria possível, porque, a) Dylan não era louco de fazer uma besteira dessas, ah, não era; e b) Cassie não era exatamente uma princesa indefesa – na verdade, "princesa" e "indefesa" eram, resumidamente, tudo o que ela definitivamente não era. Mesmo assim, algo incomodava Alyon... uma sensação estranha... Ele podia sentir algo, algo ruim, mas não sabia o que – ou talvez quem.

– Estou ficando preocupada, Alyon – Clarisse informou, se levantando cuidadosamente, para que não acordasse Noah. – E se eles estão em perigo? E se algum outro monstro os encontrou? E se... se... – a frase morreu com um arquejo, e Clarisse abraçou os cotovelos, e como Alyon parara, ela resolvera andar de um lado para o outro.

– Eles estão bem – Alyon tranquilizou-a. Apontou para a tromba d'água lá fora. – Veja, o tempo está horrível; devem estar esperando estiar. Que razão teria atacar apenas Cassie e Dylan, dois mortais sem treinamento, se eu, o deus que todo o Tártaro procura, estou aqui?

– Não sei, Alyon... Melinoe estava atrás de Dylan, e Cassie a insultou... Parece uma coisa tão idiota os dois terem saído sozinhos, quando tudo o que não devemos fazer agora é nos separar. Foi uma péssima idéia, a pior que tivemos.

– Aposto que eles estão voltando agora mesmo. Ficar aqui enchendo a cabeça não vai nos ajudar em nada. Precisamos focar no que vamos fazer. Cassie e Dylan estão perfeitamente seguros, e acho que seria bom termos um plano para quando eles voltarem.

– Você tem razão, eu acho. Temos que... que pensar em alguma coisa.

Mas, na verdade, nem mesmo Alyon concordava com as próprias palavras. Os pensamentos dele não estavam ali, na verdade não conseguia pensar em mais nada. E, francamente, Clarisse estava certa: fora a pior idéia deles deixar a filha de Plutão com um francês mais que suspeito – e que Alyon definitivamente não gostava nem um pouco. E, novamente, o cômico fato de ele realmente se preocupar com aqueles mortais... Júpiter ficaria furioso, e Alyon já conseguia até imaginar o sermão. "Eu mandei você à Terra para descobrir seus poderes, não para se apegar à humanos, garoto tolo! Você é um caso perdido!". E, por algum motivo, Alyon não sem importava nada de nada com a opinião de Júpiter, pela primeira vez. E pensando agora, havia a quase certa possibilidade de todos aqueles humanos serem filhos de deuses, o que, todos tinham que concordar, é realmente errado. Os deuses haviam deixado de ir à Terra desde que a igreja assumira o comando de tudo, percebendo, então, que os deuses não tinham mais utilidade. Júpiter não precisava cuidar dos céus, o mar não precisava dos cuidados de Poseidon e tampouco os mortos estavam indo para o pós-vida grego e romano, deixando Plutão realmente entediado. Portanto, os deuses se limitavam ao Olimpo, o Hades e alguns poucos mundos. É claro que, depois de alguns séculos, alguns deuses ficaram cansados e deixaram os limites do Olimpo, como Afrodite ou Plutão, ou até mesmo Poseidon. Mas sempre invisíveis aos olhos mundanos... Então como aqueles semideuses existiam? O que explicava Cassie ser herdeira de Plutão? E por que Hades Imortais tornariam a se relacionar com humanos? Não era certo, era contra todos os conceitos divinos, e acabaria, em muitos casos, prejudicando os dois lados... Mesmo assim ali estava a prova viva, Cassie Selíni, filha do Mundo Inferior, prole de Plutão e tão poderosa quanto o pai... Era inacreditável como ela levava tudo aquilo como apenas mais um fato entediante na vida dela, como não desse ao caso nada de especial... como se não fizesse diferença. Ser filha de Plutão, de Audrey McConnel ou apenas uma menina fugitiva não parecia afetar em nada seu julgamento nem suas escolhas. Ser semideusa para ela era apenas mais uma esquisitice na longa lista dela, e não era algo que merecesse atenção especial. E era isso que a fazia ser cada vez menos parecida com uma humana: não ligar para suas origens, apesar de não esquecê-las. Ela não podia apagar as origens, mas podia – e fazia – ignorá-las. Na verdade aquele grupo em especial de humanos divertia Alyon: pessoas poderosas que nem sequer ligavam para o fato de ele ser um deus Imortal, e o tratavam como se fosse apenas mais um humano, e acredite se quiser, isso era maravilhoso. Não havia mascaras, nem fingimento: Dylan o detestava e deixava isso claro, enquanto Noah parecia encará-lo com fascínio. Na verdade, talvez fosse por isso que Alyon se apegara tanto a eles, essa transparência... E os defenderia e lutaria ao lado deles se fosse preciso...

Em Busca da Origem - As Portas de HadesOnde histórias criam vida. Descubra agora